sábado, 25 de dezembro de 2021

CANÇÃO A TEIMOSIA

 






(Prédio onde funcionou o Jornal. Arquivo Sandra Mendes)

Ao Centenário do Jornal Cidade de Pinheiro, o Teimosão, que hoje celebra seu Jubileu de Jequitibá, jornal maranhense mais antigo em circulação.

CANÇÃO A TEIMOSIA

Virtude oposta... filha da resistência
Tem a água que consegue a pedra furar
E o coração sincero, auto obediente
Que não desiste e além de si existe!
Virtude oposta... mãe da insistência
Tem o denodo e sutileza do que persiste
Ao sabor da essência dessa ciência:
Querer, Insistir e Resistir... Teimar!

Virtude oposta... Tolice ou demência?
Quem foi, quem sabe, quem é, quem será?
A teimosia com consciência
Querer e fazer... é lutar e sonhar!
Virtude oposta... a que ou a quem?
A obediência ou a pertinência?
Virtude... composta e disposta
Da obediência a própria essência

Virtude oposta... sim! Qual espanto?
Não o é também o sorrir ao pranto?
Teimar é auto obedecer a si próprio
É lutar, brilhar, resistir e ser canção...
Ser o oposto e vencer o desgosto
Como sol brilhante em chuva de verão
Que resiste e insiste com maestria
Na teimosia de ser TEIMOSÃO!

NATAL FELIZ




NATAL FELIZ.

Parece estranho o adjetivo depois. Mas parece-me ser o mais correto. Como dizer Feliz Natal para uma mãe que dá a luz em uma estrebaria? Em meio ao fedor característico de um curral? E com que dor uma mãe não coloca seu recem-nascido em um cocho(anjedoura)? Qual mãe se alegraria em semelhante condição?

A alegria vem da consciência de saber o que é essencial. Por isso, os adjetivos e toda espécie de assessórios vem depois, inclusive o conforto e o adjetivo FELIZ, porque a consciência da humanidade de Cristo basta para que haja o Natal, a felicidade se torna adjetivo que, nesse caso depende do Natal, mas o Natal não precisa de nada: é simplesmente Natal, festa da luz, da vida, da esperança e da humildade.


Na imagem, o Menino Deus tem na cabeceira o Evangelho de Lucas aberto na página do nascimento em Belém, acima Maria de Nazaré e alguns santos que tiveram alguma ligação de devoção ao Verbo encarnado (Santos José, Antônio, Benedito, e João Batista).

Um sino aguarda para ser tocado e velas para serem acessas, tudo à meia noite. Nessa ocasião a leitura do Evangelho sugere a reflexão se nosso coração está como uma manjedoura cheia de ração para animais (a serviço dos que passam fomes/necessidades as mais fiversas), ou se está pior que um pântano, onde tudo afunda. 

A todos, fugindo a regra do Feliz Natal,  desejo um consciente NATAL FELIZ

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

MINHA BISAVÓ CECÍLIA. 

 
MINHA BISAVÓ CECÍLIA. 

MissãoVelha-CE, 22 de novembro de 1906, na casa de Manoel Privado Marques, dona Maria Alexandria, sua esposa, dá a luz para mais uma menina. Como se chamaria? Dona Alexandrina: "hoje é dia de Santa Cecília, Cecília será seu nome". Dona Genoveva, avó da recem-nascida diz: "oh minha filha, toda Cecília é sofredora. Mas não se apoquente: vamos no Juazeiro pra padre Cícero batizar e tudo se resolve".

Veio a seca de 1915, o sol rachou o chão do Cariri e a irmã caçula de Cecília morreu de fome e desnutrição. O pai desolado, reuniu a família e parentes, foram tomar bênção ao padim Ciço no Juazeiro, encontraram Lampião e Maria Bonita pelo caminho e depois seguiram para o Maranhão, andando a pé durante 48 dias e 49 noites, feito bando de ciganos, fugindo da seca e da fome.

Com pouco mais de 6 anos Cecília registrou todos esses acontecimentos na memória que, desde então, ficou apurada até os últimos instantes de sua vida, em 2006. No tempo que não tinha HD, ninguém a superava na capacidade de gravar datas, nomes, acontecimentos e tudo em quanto, vírgula por vírgula: legado que sua genética transmitiu aos descendentes que, até hoje, não tem nenhum que sofra de Alzheimer.

Uma mulher forte e valente que enfrentou a seca, aparando as próprias lágrimas para irrigar suas esperanças. Deu a luz a 10 filhos, enterrou 7, ficou viúva cedo. Criou filhos, netos, sobrinhos e afiliados que cruzaram seu caminho. Seu neto Manoel (meu pai) era seu chodo, talvez por ter o nome do seu velho pai, até que eu nasci e o destronei, kkkk.

O tempo marca 115 anos de seu nascimento. Brotam saudades, lembranças palpitam o coração e com a memória precisa que herdei, volto no tempo e vou ao seu quarto tomar bênção. Vejo a cama a direita, uma rede de fios, armada por cima, tecida a mão com uma varanda rica de detalhes. Fito a janela em frente a porta, sopra o vento; volto-me à cômoda cheia de perfumes, brincos e fivelas, posta a minha esquerda.

Detenho a vista por uns instantes naqueles utensílios da vaidade feminina. Levanto a vista e leio, com nitidez, num quadro com uma paisagem de flores: "Aquilo que nos separa não destrua o que nos une."

Parabéns vovó Cecília.

domingo, 14 de novembro de 2021

CENTENÁRIO DE MORTE DA PRINCESA ISABEL DO BRASIL


CENTENÁRIO DE MORTE DA PRINCESA ISABEL DO BRASIL.

Há exatos 100 anos, expirava na França, exilada e impedida de voltar ao Brasil por conta da Lei do Banimento. Um ícone e uma figura feminina que escreveu seu nome da história brasileira, com pena de ouro, literalmente.

A primeira mulher a dirigir a nação, Sua Alteza Imperial e Real Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Orleans e Bragança, cognominada "A REDENTORA." Com efeito, a lei mais importante da história do Brasil, sancionada no segundo domingo de maio de 1888, tem a assinatura desta mulher, uma brasileira a frente de seu tempo, que nunca abriu mãos das tradições mas enxergava o futuro com esperança e progresso.

ISABEL DO BRASIL, uma brasileira que enfrentou o machismo que duvidava da sua capacidade de governar e o fez sem deixar de ser feminina. Antes da assinatura da Lei Áurea, o seu determinismo e coragem sancionou a Lei do Ventre Livre (LEI Nº 2.040, de 28/09/1871) e em seguida, grávida, usou da palavra no Senado Imperial, afrontando ainda mais o brio dos parlamentares que, no ímpeto do machismo, não toleravam uma voz feminina a dar-lhes recomendações.

Toda voz que brada contra a chaga cancerosa que foi a escravidão legalizada, se faz Arauto da Liberdade. É, portanto, dever de justiça, fazer memória de quem com sua assinatura contribuiu para que os grilhões fossem quebrados, ainda que do ponto de vista legal, pois todo início pressupõe um passo.

Uma princesa, uma mulher e uma ícone do Brasil, que na provisoriedade governamental de sua atuação, tornou-se perene na dimensão de seus atos, contrariando a hegemonia masculina de um período em que a mulher, tomada por objeto, não tinha voz e nem vez, tampouco autonomia de seu próprio querer e existir.

 PRINCESA ISABEL DO BRASIL. LUMINOSIDADES. 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

DOSTOIÉVSKI: bicentenário de nascimento.


Fiódor Dostoiévski, um nome e um legado literário, social, cultural e humanitário. Há 200 anos, Moscou se tornava o berço de uma das maiores genialidades da humanidade, que fez da literatura impulso propulsor de avanços significativos e substanciais no campo das ciências e das artes, pela construção filosófica da ideia e valor do ser humano em si, enquanto sujeito, essência e resultado de suas escolhas e reclusão (in)voluntária, sob um viés psíquico a luz do arbítrio, livre ou prisioneiro, das mais diversas variantes a que esta suscetível o gênero humano.

Viveu e conviveu com a morte de perto. Perdeu a mãe ainda jovem e num curto espaço de tempo também ficou órfão de pai; casou, teve duas filhas, a primeira faleceu com meses de nascida; ficou viúvo, também num espaço de tempo relativamente curto; casou-se novamente, foi condenado a morte pelas sua postura coerente com os ideais filosóficos que alimentava, porém recebeu o perdão do imperador que, entretanto, converteu a pena capital em 8 anos na prisão. Na prisão maturou suas experiências existenciais e renasceu, aurindo um conhecimento a partir do elevado nível de compreensão e identificação da linha tênue entre o ser e o não ser, o racional e o insano, o real e o imaginário entre outros tantos pontos e questões antagônicos, configurando a ideia de livre arbítrio a uma racionalidade emotiva insaciável que depura as questões para atingir o discernimento, inclusive psíquico.

A profundidade da literatura de Dostoiévski decorre da capacidade de ampliar a mentalidade do leitor a partir de inafastável reflexão filosófica, psíquica e moral que impele o leitor a identificar nos antônimos existenciais e circunstancias, além da divisa e melindros que, a exemplo do que ocorre com os laboratórios farmacêuticos, define a aquela medida que difere o veneno do remédio. A consistência atemporal dos temas que analisa, de certa forma formulam as questões filosóficas mais serias da existência humana, por isso, seus escritos são tidos como romances filosóficos e/ou romances psicológicos.

Apesar de uma existência de apenas 59 anos, dos quais metade absorta em meio as tragédias existenciais e pessoais que viveu, não enloqueceu, não se desesperou, tampouco desistiu. Decidiu-se e fez-se, com a própria existência, um laboratório de tudo que a lavra de sua pena legou a humanidade: a imensa riqueza, contida nas páginas de seus livros, escritos em russo, a partir de novelas, contos, críticas, memórias e escritos jornalísticos. Nesse legado, sobressai-se a promoção de uma intensa atividade de busca da essência de questões relevantes a atuação humana racional e emotivamente, transpondo a barreira do vernáculo russo, sendo traduzido em vários idiomas.

A perspicácia e agudeza do intelecto deste gênio investigaram o significado e o sentido do sofrimento e da culpa, do livre-arbítrio e a partir disso discorreu sobre temáticas as mais variadas, desde o cristianismo, passando pelo racionalismo, o niilismo, até questões socioculturais como a pobreza, a violência, o assassinato, lançando balizas mestras sobre o altruísmo, analisando em profundidade e meticulosamente transtornos mentais relacionadas à humilhação, ao isolamento, ao sadismo e masoquismo, até chegar aos porquês do suicídio, o qual tratou cirurgicamente, com diagnóstico psíquico de causa-efeito e de forma literária.

Uma cabeça que a frente de seu tempo ocupou-se de questões que ainda hoje, 200 anos após seu nascimento, mostram-se atuais, colapsadas e urgentes em nossa sociedade tecnológica, do isolamento fisco e da proximidade virtual de uma humanidade fragilizada não só pela COVID-19 e a realidade inoportuna e constante da morte, mas também por vários infortúnios e tragédias, naturais, morais, sociais e éticas, mas com o detalhe de que as percepções de sua obra promovem a reflexão que conduz uma reanálise do ser e do existir, como pressuposto de partida das soluções.

Gratidão Dostoiévski, pela tua LUMINOSIDADE.

domingo, 7 de novembro de 2021

CECÍLIA MEIRELES: UMA POESIA DE INFINITO.


CECILIA MEIRELES: 120 ANOS.

No universo nascia uma estrela. Uma das maiores expressões líricas da poesia do século XX. Uma mulher feminina e delicada como o seu gênero preceitua, de olhar luminoso, sereno e profundo, que derramava no papel toda sutileza que reverberava em sua alma.

Uma primavera cheia de verão; um enigma; uma jazida de rubis, esmeraldas e diamantes; um oceano e um universo... tudo cintilava em seus olhos azuis esverdeados, pacíficos como o falar dos mineiros e marcante, como a fibra varonil desse mesmo povo bravio e tenaz, do qual descende o herói Tiradentes.

O Romanceiro da inconfidência e os Cânticos, como em toda obra dessa escritora, assemelha-se a flor que encanta pela delicadeza, sem camuflar os espinhos existenciais, mas encara-os com lirismo que não entorpece ou aplaca a rigidez da realidade, antes conduz a análise profunda dos meandros em que se alicerça o bem e o mal, o sorrir e chorar, o ser e o não ser... a interminável música do Vida.

A MULHER QUE CANTA porque o momento existe. De fato, "o canto é maior que a vida e a razão" porque é intangível e, por isso, insondável, vizinho da eternidade. Quem enxerga A POESIA desse mistério se permite não ser alegre nem triste, mas simplesmente POETA.

O lirismo do gênio desta flor, germinada a sombra do pavilhão das Minas Gerais que proclama LIBERTAS QUAE SERA TAMEN, concebeu "Liberdade - essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!" Com um verso de seus Cânticos, conclui-se está singela reverência ao gênio lírico dessa rosa que tem muitos motivos: "Não faças de ti um sonho a se realizar. Vai."

terça-feira, 6 de julho de 2021

CASTRO ALVES: SESQUICENTENÁRIO DE IMORTALIDADE

 CASTRO ALVES: POESIA & LIBERDADE.

"Sehor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!"

Há 150 anos é uma poesia de saudade que ecoa declamada pela liberdade, da qual consagrou-se paladino. No ano de 1871, o poeta e acadêmico de de Direito, que já definhava a desilusão de um grande amor, fazia seu vôo mais alto, rumo ao intangível que decantava nos versos de sua poesia humanitária, com a qual declarou guerra ao ódio.

Com efeito, racismo nada mais é que ódio; e, à humanidade, pois pressupõe existência de raças distintas e superiores entre si, absurdo de quem se vangloria na torpeza que cega e aliena, na bestialidade de ignorar que raça só existe uma: a raça humana.

Poeta dos Escravos, que cedo amargou a experiência funesta de ficar órfão de mãe, da luminosidade intelectual e espiritual adquirida ao longo de uma vida que, apesar de fugaz e boemia, alicerçada na fraternidade.

Contemplava a humanidade na essência da alma de cada indivíduo e não na quantidade de melanina. Por isso mesmo, expirou envolto em claridade, num dia ensolarado, acamado à beira de uma janela onde o sol se derramava, com todo fulgor, por voltas das 15 horas. Bendito seja quem semeia a fraternidade e a esperança e na trincheira do cotidiano, não foge à luta, nem se acovarda de bradar contra a degeneração do gênero humano.

Que os versos de teu "Navio Negreiro" te garantam o sortilégio de navegar horizontes largos de Eternidade. Que ao clarão da profética luminosidade de tuas palavras repouse altaneiro teu Eu lírico de poeta e teu humanitário coração romântico que amou o amor e odiou o ódio com a mesma intensidade: voraz, frenético e substancial.

Descansa anjo bendito, que nos versos de tua lira ainda hoje fala ao coração: "ódio ao ódio, amor ao amor. Poesia para vida... e, seja qual for, que seja bem vivida, sentida e medida somente com recíproca do amor que irmana e diviniza.

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ELEGIA PARA MARITA GONÇALVES

  São Luís, 02/07/2021, às 23h23min.

In memoriam de Marita Gonçalves...
amiga e flor.

AMIGA-FLOR

Quem é flor não morre, exala perfume.
De Luminosidade, é suave odor...
Que da saudade o nome assume
A sutileza que despetala a flor

É mistério que o insondável resume
No suspiro que o infinito decanta.
Esse dogma escrito no coração
Com palpitação pura, sublime e santa!

Mas se a primavera também passa
E o verão luzente um dia virá ...
A esperança... Gema sem jaça

Cultiva com confiante acessume
A certeza que o intangível presume:
Quem é flor... Não more. Exala Perfume!
(Mauricio Gomes Alves)

domingo, 21 de fevereiro de 2021

CENTENÁRIO DE MEU AVÓ ESMERALDO



CENTENÁRIO DE UM HOMEM DE PALVRA


A Sagrada Escritura ensina que no início era a Palavra e pela Palavra tudo foi criado e sem Ela nada do que se fez teria sido feito. Na simplicidade de sua sabedoria de vida, Domingos Esmeraldo de Araújo, fez jus ao nome de Esmeraldo, pois sempre soube valorizar e reconhecer o valor das coisas boas da vida, talvez por isso mesmo era um Homem de Palavra que, uma vez dita não voltava atrás e isto era-lhe motivo de honra fazê-lo.

Nascido entre os povoados de Rio da Prata e Palestrina, próximo de Pinheiro-MA, em 21 de fevereiro de 1921, filho de Hipólito Silveira e de dona Inocência Gomes Silveira (parteira de enorme fama), foi criado por seus padrinhos batismais, os quais também lhe deram o sobrenome Araújo. Apesar de ter recebido sobrenome diverso daquele de seus pais biológicos, nunca deixou que os laços sanguíneos se rompessem.

Nunca desmereceu a necessidade da instrução escolar, porém sabia e discernia bem a diferença desta com a educação, por isso, em tempos de falta de recursos econômicos, sempre ensinou, com palavras e com exemplo, bons modos à sua descendência, com muita disciplina e rigor, porque como sempre dizia: ‘‘cipó a gente desentorta enquanto tá verde’’, ou então ‘’é de pequeno que se faz o grande.’’

Foi marido de mais de uma mulher, viveu vários romances, cada um de sua vez; e se tornou pai de aproximadamente vinte filhos. Vivia dizendo: Eu sou da razão não sou da paixão,’’ Como do seu primeiro relacionamento amoroso os filhos nascidos foram registrados sem qualquer menção a seu nome, na qualidade de pai, a todos os demais filhos também não registrou. Ruindade? Não. Apenas um censo de justiça, segundo o qual se registrasse os últimos não seria justo com os primeiros, razão pela qual no meu registro de nascimento não constar nome de avô materno.

Com ele convivi, tive experiências fantásticas como pescar; passar dias em seu sítio, ver todo o processo da fabricação da farinha, desde o plantio da mandioca até o beneficiamento da mesma na casa do forno; extrair guarimã; preparar e tomar vinho de buriti e murici; apanhar perdizes, surulinas, fazer gaiolas, arapucas, balaios, meaçaba, cofo, entre outras experiências que só se vive e sente no campo. Com Ele apreendi o valor de ter caráter, a firmeza de ser autêntico e de não se deixar mudar para agradar a outrem, ainda mais quando se está certo; com ele apreendi o gosto e ‘’o prazer de ser caxias,’’ de ser irrepreensível e de sempre agir com retidão para nunca baixar a cabeça diante de ninguém.

Foi-se o homem, ficou o nome. Assim ouviu-se de alguém, no cemitério Santo Inácio, a hora que seu corpo foi sepultado em abril de 2008. Ficou o nome e nele impregnado a solidez do infinito de um sentimento bom e de um legado de retidão, justiça e honradez.

Dele não se pode dizer que fosse dado a externar manifestações públicas de carinho ou afetos, embora de fato nutrisse enorme estima pelos seus. Porém era deveras respeitador e gentil no tratar, sem jamais renunciar a sua personalidade bem definida e consistente: seu sim era sim, seu não era não, não havia meio termo quando era preciso dizer e definir o certo do errado, só é pena que fazia com muita severidade, mas fazer o que?! Toda rosa tem espinhos.

Enfim... O tempo passou, ontem era presente e hoje só o infinito e o rastro luminoso das virtudes vivenciadas ao longo de um século, que relativizam a austeridade da severidade, com a lembrança risonha do exemplo de justiça, retidão, inteligência. Rebrilha neste centenário, o vigor fenomenal e virilidade que o tornaram “um homem de palavra,” aguerrido por opção, destemido por convicção, bruto e implacável com tudo que não prestasse, que fosse errado ou contrário ao seu ideal de honradez, honestidade e probidade.

Um enciclopédia de provérbios populares que mais do que falar colocava em prática. Certa vez, quando as galinhas de seu sitio começaram a desaparecerem, sem saber quem estava roubando e para não ser leviano apontando este ou aquele como provável larápio, lembrou-se do ditado popular de que ‘‘quem quer pegar galinha não diz chô (não enxota),‘‘ de tal forma que aplicou vermicida nas aves em segredo, pois sabia que após esse remédio as aves só poderiam ser abatidas para consumo depois de um mês.

Apesar de todo rigor, sempre teve e manteve um humor jovial, cheio de picardia, jocosidade, reservado aos seus familiares e amigos. Como as galinha continuaram sumindo, pacientemente esperou a notícia, foi quando na vizinhança explodiu a notícia de alguém com forte dores estomacais, intensa diarreias e cólicas insuportáveis, ao que como bom vizinho foi logo visitar e já na entrada, de forma curta e grossa deu logo o diagnóstico e cura da doença: ‘’tá explicado porque minhas galinhas estavam sumindo: resultado de quem mexe no alheio é isso mesmo’’, finalizando aquela ‘visita de médico’’ com outro ditado popular: ‘‘o alheio chora seu dono’’.

Fato é que suas galinhas nunca mais desapareceram, assim como a fama de ruindade que ganhou, bem como a fama de que fazia reza para que quem pegasse as coisas dele fosse maldiçoado. Esperto e perspicaz, morreu sem revelar a artimanha de sua genialidade de ao invés de ficar de tocaia para pegar o ladrão, aplicar vermicida para que o larápio se arrependesse de comer galinha roubada e isto contava com em meio a galhofadas, cheio de si por ser honesto e homem com H maiúsculo, não somente pelo aspecto biológico, mas sobretudo pela honradez de caráter.

A este homem de palavra, uma palavra, no plural – como eram suas virtudes: saudades. Receba minha gratidão por todo exemplo que legou para vossa descendência, querido vovó Esmeraldo.

domingo, 31 de janeiro de 2021

A CORAGEM DE BATINA

(Foto: Pe. Newton Pereira. Fonte: Arquivo Sandra Mendes)

A CORAGEM DE BATINA.
(Mauricio Gomes Alves, APLAC)

Na pequena cidade de Pinheiro, no mês de julho de 1929, não se falava outra coisa: Newton de Antônio Pereira e de dona Evarinta ia ser padre. Era o primeiro pinheirense a atingir esse grau na hierarquia da igreja católica e a notícia começava na Faveira – onde aportavam os barcos que vinham de São Luís pelo Armazém – e de lá passava pela Praça da República, onde ficava a módica igrejinha de Santo Inácio; espalhava-se com o vento, na direção da Praça da Bandeira, passando na porta da prefeitura, seguindo até a pequenina capelinha de São Benedito, na Praça da Independência, única construção que restou do antigo cemitério – desativado há 7 anos, para dar lugar aquela praça – onde algumas cruzes ainda davam testemunho fúnebre do passado daquele local.

Chega 31 de Julho, dia de Santo Inácio, aniversário de 24 anos do jovem Newton Ignácio Pereira que aguardava em São Luís, no Seminário Santo Antônio, o dia da tão esperada ordenação sacerdotal. Em Pinheiro, do lado de fora da igreja, depois da procissão de Santo Inácio, todos parabenizavam dona Evarinta que daquela data, apenas alguns dias mais, ia se tornar mãe de um padre muito inteligente, que destacava-se entre os seminaristas de sua classe, tanto pelo proceder, como pela oratória que possuía, dono de uma inteligência aguçada, prática e refinada.

O Sr. Vicente Freitas de Abreu, orgulhoso de ter sido o professor que educou o futuro padre – desde quando, ainda menino, veio da fazenda Realeza, no gama (onde nascera), até antes de sua ida ao seminário – aproximou-se de dona Evarinta.

- Boa noite dona Evarinta. Parabéns! Não é todo mundo que tem um filho tão erudito e além do mais padre.
- Boa noite seu Vicente. Eu que agradeço pelo senhor, que desemburrou meu Newton. Bom aluno é fruto de um bom professor.
- Dona Evarinta e quando será a ordenação dele como padre?
- Vai ser no dia do aniversário de São Luís. A Gente lá de casa vai viajar no fim do mês que entra para a cidade, que é pra chegar com tempo. Essa travessia daqui até lá é puxada. Só atravessar esse Armazém...

Nessa hora, seu Severino Pereira Silva, que era sobrinho do marido de dona Evarinta, interrompeu aquela conversa e tomou a benção a dona Evarinta e saiu ligeiro para sua casa, que fica por trás da igreja, esquina com Mestre Adão Amorim. Ia disparar, do seu quintal, todo o seu arsenal de fogos que vinha preparando desde o começo do festejo, enquanto todos, felizes, davam vivas a Santo Inácio.

- Não gasta os foguetes todos Severino – disse gritando o Dr. Elisabetho Barbosa de Carvalho – deixa um tanto para recepcionarmos o novo padre quando ele chegar.
- Não se preocupe não, Doutor – gritou mais alto seu Severino Silva – daqui até lá eu faço o dobro de foguetes.

No mesmo dia em que foi ordenado, Newton Pereira começou se arrumar para viajar a Pinheiro. Trazia na bagagem esperanças mil e o desejo de reformar aquela pequena e módica igrejinha de Santo Inácio. É que ouvira nos corredores do Seminário Santo Antônio, em São Luís, a notícia de que uma prelazia seria instalada ao norte do Maranhão e pensou, falando consigo mesmo.

- Quem sabe aquela igreja ampliada, talvez com estilo greco-romano... Ah se eu conseguisse mobilizar aquele povo. Eh! Seja o que Deus e Santo Inácio quiserem.

Encerrou aquele monólogo com um suspiro fundo e terminou de arrumar as malas, todavia no pensamento ficara sonhando acordado, tracejando no pensamento as linhas imaginárias de uma nova igreja. Antes de chegar em Pinheiro, naquele dia 9 de setembro, experimentou uma grande emoção: o povo o aguardava no meio da estrada e ao identificarem naquele vulto preto, a batina que trajava, montado no lombo de um cavalo, não se contiveram e correram ao seu encontro.

Severino, como tinha prometido, detonou tantos foguetes quantos pode em homenagem ao seu primo padre. A cidade tomou ciência de que o padre estava chegando.

- Obrigado Severino – agradeceu o Pe. Newton
- Sua bênção primo – falou Severino fazendo um gesto de reverência, mesmo sendo ele mais velho que o primo padre.
- Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo – disse o neo sacerdote, traçando o sinal da cruz no ar.
- Quando eu tiver um filho eu quero que o senhor seja o padrinho – apressou-se logo em dizer Severino, querendo garantir desde logo o privilégio de ser além de primo, compadre de um padre.

Sorrindo, padre Newton sinalizou, positivamente, com a cabeça; afinal, não tinha afilhados e tinha deveras apreço por aquele seu primo fogueteiro.

Amanhece o dia 10 de setembro, a igrejinha de Santo Inácio está lotada e naquela manhã, pela primeira vez, o jovem Newton, revestido dos paramentos litúrgicos, se encaminha ao altar onde se encontra a pequena imagem de Santo Inácio de Loyola.

- In nomine Patris, et filii, et Spiritu Sancti – diz padre Newtom em um latim impecável, com uma sonoridade e timbre de voz perfeitos, num tom austero e vibrante, com toda solenidade, esmero e piedade, que tocam fundo na alma dos presentes, cujas vozes se irromperam em um altivo Amén.

Mas dona Evarinta Mendes Pereira, ladeada por seu esposo e suas filhas Maria de Lourdes e Nila, não diz uma palavra; apenas se benze, absorta pela emoção de testemunhar aquele momento de seu filho, que lhe faz verter lágrimas dos olhos, as quais escorrem macias pela serenidade de seu semblante, resguardado pela cor escura do véu que usava, contrastando tudo com o ar discreto do sorriso de felicidade, que floresceu em seus lábios, no lugar do amén.

A missa termina e padre Newton, após alguns dias com seus familiares, volta para São Luís e lá aperfeiçoa ainda mais seu intelecto, expandindo seus conhecimentos, tornando-se um grande latinista. O tempo passa e depois de 8 anos, torna-se um grande jornalista, atuando no hebdominário CORRESPONDENTE, jornal de orientação católica, recebendo notícias de Roma sobre a instalação da prelazia ao norte do Maranhão, cuja sede ainda não havia sido definida. Novamente renasce o sonho de ampliar a antiga igrejinha de Santo Inácio e após algumas eclesiásticas tratativas é enviado para Pinheiro, como pároco, no ano de 1937.

Outra vez os conterrâneos do padre encheram-se de alegria e foram esperá-lo, desta vez no Cais da Organização de Albino Paiva LTDA, na Baixinha. Severino, que ia passando e viu o movimento correu até o padre.

- Sua bênção padre.
- Deus te abençoe. E então, cadê meu afilhado? Soube que já tens um filho.
-Tenho sim meu primo – respondeu Severino – o nome dele é Geraldo, porém ele já tem padrinho, mas não se preocupe que Sebastiana tá no estado interessante e daqui pro dia de todos os santos tá nascendo o menino.
- Como tu sabes que é menino? – perguntou o padre, pasmo com tanta certeza.
- Pelo jeito da barriga de Sebastiana é menino – afirmou convicto Severino e, com uma expressão de autoridade no assunto, continuou – a criança mexeu foi cedo e essa dor, de vez em quando, por riba dos quartos... Certeza que é menino. Vai se chamar Almir.

Após uma gargalhada do padre, que achara engraçado tamanha certeza, apertaram as mãos e Severino, cuja previsão se concretizaria depois, pegou as malas do seu futuro compadre e levou para a casa de dona Maria de Lourdes, conhecida como Cotinha Pereira, irmã do sacerdote e sua prima.

Todo dia era o mesmo ritual. Terminada a missa o padre ficava na frente da igreja, reparando a sua direita a única torre que existia. Aquele módico templo de três portas e apenas uma torre, tosca e baixa, como quase toda a construção primitiva, herança do século XIX, deveria ser transformada senão jamais seria sede da prelazia. E então nessa contemplação esquecia-se o padre pensando alto consigo.

- Estas paredes já são centenárias, mas estão seguras. Eu aproveito esta torre e aumento a altura dela e construo outra daquele outro lado. Com duas torres fica imponente. Contudo pequena como é, será tolice uma nova torre; é preciso alargar a frente para o lado da esquerda e triplicar o comprimento – concluiu sorumbático o padre, que também não tinha recursos.

Mas num instante de luminosidade, surgiu-lhe a ideia de fazer a planta e mostrar para o povo, além de pedir apoio junto ao Dr. Elisabetho, pois olhando a planta da igreja o povo iria se entusiasmar.

- É isso! – exclamou o padre que apressadamente se dirigiu não mais a casa de sua irmã, mas sim a sua casa, de esquina com a praça do Poço do Mercado.

Após uma noite em claro, a planta estava pronta: das três portas de entrada da igrejinha, somente a porta do meio foi mantida, sendo duplicada na largura e praticamente triplicada na altura; no lugar onde outrora ficava o topo da cruz do pequeno templo, ficaria uma base de moldura triangular, por sob o portal da nova porta; traçado estilo colonial; torres rebuscadas e colunas greco-romanas, em todo interior, formando um átrio.

Padre Newton era um homem perspicaz, destemido, com um porte físico atlético, estatura imponente, um vigor e temperamentos de abnegada resolutividade e praticidade. O que dizia, isso fazia, e o que planejava acontecia; um homem centrado e seguro de si, dono de uma fortaleza interior tão pujante que suas atitudes, por vezes, eram implacáveis como uma rocha e, graças a isso, as dificuldades não foram capazes de detê-lo em seus propósitos.

Mas entre aquilo que pôs no papel e a concepção do seu sonho, durante a construção do frontispício da nova igreja, um fato cômico – quase trágico – chamou a atenção de todos, para a prudência; inclusive do padre, que dos livros dos tempos de seminário, passou a exercitar na prática, literalmente.

Era o mês de outubro de 1938, o Sr. Antônio Belém, mestre de obras afamado, auxiliado pelo Sr. Adão Amorim, que também se destacava pelo esmero, estavam à frente da construção da igreja, sendo escolhido Adão para dar o suporte na conclusão das torres e fazer os acabamentos das colunas greco-romanas do átrio da igreja. Com a parede frontal da igreja na exata altura a partir da qual as torres começariam a erguerem-se, o padre Newton, que a tudo era atento e mesmo sem ser engenheiro ou arquiteto tinha domínio nessas áreas, desejou subir na construção para certificar-se da solidez dos fundamentos da torre.

Trajando sua batina preta, após inspecionar a torre construída sob as paredes da primitiva torre do antigo templo, resolveu inspecionar as paredes que apoiariam a nova torre, que estava sendo erguida do outro lado. Como as paredes eram largas em sua espessura, resultado da amarração de mais de dois tijolos, entendeu que poderia tranquilamente ir de uma torre a outra, passando por cima do paredão da frente que ligava as mesmas.

Nesse momento, Adão Amorim, alguns anos mais velho que o padre e tão robusto quanto ele no aspecto físico, deixando à parte as banhas de piaba e óleo de baleia, que misturava com cal, para dar a liga da massa, atalhou os passos ao padre, pondo-se a frente do religioso, com os braços abertos, em forma de cruz.

- Padre, não pode fazer isso.
- Não pode por quê?
- É perigoso.
- Perigoso nada. Eu consigo equilibrar-me andando no meio fio da rua, quanto o mais em cima desta parede que tem três larguras do meio fio. Gentileza sair da frente que eu tenho pressa.
- Não saio não, senhor – retrucou Adão Amorim.

Severino, que ia de sua casa até o porto da Baixinha, ao passar na porta da casa de seu Esperidião Estrela – perpendicular à igreja e de frente a praça – ao cumprimentar aquele senhor, sentado de pernas cruzadas na calçada, foi comunicado daquele evento – que o idoso testemunhava desde o início – e mudou o rumo de seu caminho, correndo até o local daquela cena.

- Não facilite compadre. Desça daí – ralhou Severino bastante zangado – ou será que o senhor vai querer arrumar tragédia? Almir tá fazendo um ano e o senhor quer que ele fique sem padrinho justo no dia do aniversário dele? Dia de finados foi ontem, não é hoje.
O senhor vai descer padre – disse com firmeza Adão Amorim, que concluiu – pedreiro aqui sou eu e minha palavra é que prevalece.
- Mas o padre dessa igreja sou eu – respondeu, imediatamente, padre Newton.
- Então o senhor vai ter que passar por cima de mim, porque daqui eu não saio – falou ainda mais firme Adão Amorim.

E nesse embate de homens, que não estavam dispostos a ceder em suas vontades e entendimentos, a discussão logo chamou a atenção dos presentes e dos que iam passando.

Como aquele impasse caminhava para uma indefinição, pois o padre não admitia ser contrariado e Adão Amorim não admitia interferências em seu andaime... Depois de tantas palavras, argumentos e contrarrazões, já que pela força, um não podia obrigar o outro, pois ambos tinham força física equivalente e começar se atarracarem ali, além de feio, seria um desastre.

Mas enfim uma concessão mútua põe fim ao impasse. Adão Amorim propõe:

- Eu saio da frente e deixo o senhor passar.
- Muito bem (falou o padre)
- Mas o senhor vai ter que amarrar uma corda a cintura, para qualquer eventualidade.

Para que a situação não se alongasse ainda mais; e, para evitar um outro debate e também para não ganhar a pecha de teimoso, debaixo daquele sol que cada vez mais escaldava a moleira... O padre considerou uma meia dúzia de curiosos que ali se ajuntaram e então, para que aquilo não virasse um espetáculo, com o aumento da plateia de curiosos, erguendo os braços, permitiu que Adão Amorim o amarrasse.

Devidamente amarrado com a corda em volta do abdômen, de batina preta, Padre Newton começou a percorrer a distância entre as duas torres, por cima do paredão, e ao chegar na metade do caminho, onde seria colocada a cruz da fachada, exclamou abrindo os braços em direção ao mestre Adão:

- Não te disse que eu conseguia equilibrar-me?

Ocorre que nesse movimento feito na direção de Adão, o padre olhou rapidamente para baixo e não se sabe se por uma tontura, ou talvez por medo da altura; mas ao soprar do vento, que esvoaçou sua batina, desequilibrou-se de tal forma que só não se arrebentou no chão porque, graças a relutância de Adão Amorim, ficara dependurado pela corda, qual pêndulo de relógio, balançando de um lado para outro ao sabor do vento.

Após alguns minutos, depois de incontidos risos de todos que presenciarem aquela cena pitoresca, é que Adão Amorim começou a folgar a corda até que o padre tocasse o chão.

-Eu não avisei? A obediência é santa, a teimosa não – disse Adão Amorim aquele jovem padre.

Assim, surgia naquele instante uma grande amizade para toda vida, que ainda hoje nos dá essa sapiente lição: Devemos confiar em Deus, porém jamais abandonar-nos a própria sorte.

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P.S: Padre newton foi um pinheirense além de seu tempo. Visionário, fez o futuro acontecer no presente. Nascido em 31 de julho de 1905, na fazenda Realeza, no Gama, quando Pinheiro ainda era Freguesia de Santo Inácio do Pinheiro, faleceu em 31 de janeiro de 1952 na mesma cidade.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

UMA ODE À DEFESA DA LIBERDADE

“O homem livre é senhor da sua vontade e escravo somente da sua consciência.” (Aristóteles)

Há 80 anos, no dia 6 de janeiro, Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos da América, por sinal o que mais tempo já passou no cargo – quatro mandatos – proferiu um discurso sobre o Estado da União, o qual passou para a história como o Discurso das Quatro Liberdades, que se encontram gravadas em seu memorial em Washington, tendo o conceito dessas liberdades influenciado bastante na Carta das Nações Unidas, que deságua na criação da ONU, bem como influenciou categoricamente, em 1948, na redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Franklim Roosevelt, antes de ser político era advogado, habilidoso por sinal, e proferiu o Discurso das Quatro Liberdades no Congresso Norte Americano em um cenário político internacionalmente tenso, dando enfoque à segurança nacional, posta como elemento essencial às garantias das liberdades defendidas; é tanto que no mesmo ano de 1941, apenas 11 meses depois do discurso, sobreveio a declaração de guerra ao Japão, após o ataque militar a base americana de Pearl Harbor, cujos desdobramentos ensejaram a terrível Segunda Guerra Mundial.

Nas quatro liberdades defendidas em seu discurso, Roosevelt lançou as bases dos direitos humanos essenciais, tratam-se de liberdades individuais que devem ser inerentes a cada indivíduo e oportunizada pelo Estado: a primeira é a liberdade de expressão; a segunda é a liberdade religiosa; a terceira é a liberdade de viver sem penúria ou de ter o mínimo necessário para viver; a quarta é a liberdade de viver sem medo, ou seja ter viver em paz, sem guerra.

No que tange a quarta liberdade, a sua instrumentalização ou seu surgimento implica em uma redução mundial de armamentos de tal forma que nenhuma nação esteva em situação bélica vantajosa capaz de perpetrar um ato de agressão física contra qualquer vizinho, em qualquer local do mundo, sem que tenha qualquer nação capaz de conter a agressão com poder bélico equivalente. Neste particular, abro um parênteses para falar de Enéas Carneiro, médico cardiologista e político brasileiro que defendia que cada pais tivesse uma bomba atômica, pois a medida que as nações possuíssem tal armamento, o dialogo seria muito mais fluente e usado a exaustão antes da força, haja vista o receio de qualquer reprimenda bélica.

Na divisa de antônimos é que se compreende o valor das coisas. Este pensamento particular, fruto de minhas experiências tímidas de vida, criaram em mim e para mim, uma certeza que ainda não foi abalada em seus fundamentos:  a essência é o que faz magnas as coisas. Dito isto, a compreensão da liberdade se faz de modo mais apurado quando, feitos espelhos, nos ocupamos do reflexo invertido, ou seja, das privações e prisões, as quais são muitas e diversas.

Se o discurso de Franklin Roosevelt, no que tange as liberdades defendidas, era utópico ou não, penso que os horrores da Segunda Guerra Mundial, com todos os piores adjetivos de crueldade, bastam a demonstração de que pouco importa se estava certo ou não, o fato é que a liberdade, na forma mais plena do significado que essa palavra sugere, é um desejo alado que acompanha a humanidade desde sempre; e, a realização desse desejo requer a instrumentalização de meios e condições que tem impelido o homem nas mais desafiadoras empreitadas, sobremaneira quando é privado das liberdades mais naturais e inerentes a todos os da espécie humana.

Um ponto é elementar: a consciência e o livre arbítrio, feitos acelerador e freio que se alternam num justo equilíbrio que possibilite a liberdade, asas para um voo livre de limitações, mas com diretrizes bem delimitadas, sem as quais torna-se libertinagem que na euforia de voar ignora: mais importante que a altitude e a velocidade é a direção do voo. Apesar do livre arbítrio ser um indicador de liberdade, é muito mais da consciência que Ela – a liberdade – se sustenta e floresce, sendo escravidão no Brasil um clássico exemplo disto, da luta de poetas, políticos, religiosos e dos próprios escravos que tolhidos do livre arbítrio não renunciaram a consciência da liberdade de seres humanos que são, exprimindo-a nas artes e na cultura até o dia em que o livre arbítrio foi positivado na Lei Áurea.

Com efeito, é possível sofrer pressões externas emergentes das mais variadas situações, contudo os anseios d’alma são indiferentes a tanto, encontram-se em um patamar elevado, protegidos pela berlinda da esperança que, em seus suspiros profundos, chancela a possibilidade de sonhar, que é o sublime penhor de viver, talvez porque no ato de sonhar a centelha da liberdade é uma primavera sem fim e, por isso mesmo, o sonho de ser livre sempre nutriu as mais esperançosas lutas por dias melhores.

Para não ficar-se apenas no sonho e nos desdobramentos de inúmeras quimeras humanas, aponto de concreto, a Inconfidência Mineira e seu expoente maior, Joaquim José da Silva Xavier, mártir da liberdade; e desse movimento, para encerrar esta reflexão, aponto dois desdobramentos: a bandeira mineira e o Romanceiro da Inconfidência e de cada um extraio as expressões alimentam a consciência sem a qual o livre arbítrio se torna libertinagem. Da bandeira: “LIBERTAS QUAE SERA TAMEN”; do Romanceiro e o lirismo de Cecília Meireles: "Liberdade, essa palavra/ que o sonho humano alimenta,/ que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda".