quarta-feira, 24 de junho de 2015

São João no Maranhão: Igreja & memória

Com singular esmero o dia de São João, foi preparado na paróquia de mesmo nome, cuja Matriz – tangenciada pela Rua da Paz – fica no coração do Centro de São Luís do Maranhão.
A secular imagem do padroeiro foi descida do altar-mor, para veneração dos fiéis, durante toda a novena preparatória e o pároco cumpriu com maestria o encargo que lhe compete, sobremaneira nas homilias, proferidas com uma magnitude que revelam seu empenho para com o festejo.
O ano de 2015 para aquela comunidade ganhou um brilho todo especial, realçado pelo deslumbre de uma emoção: transpor a soleira do tempo que assinala a passagem dos 350 anos da edificação daquele templo consagrado a Deus, pela fé, e também, pela devoção, a São João Batista.
Ao longo de mais de três séculos quantas marcas, quantas lembranças e quantos acontecimentos: o templo que nasceu de uma promessa, projetado para ser uma capela, tornou-se igreja matriz. Para assinalar a passagem dos 350 anos da edificação religiosa, a missa de São João teve toda solenidade; o renomado coral São João – assim chamado porque germinou entre as paredes daquela casa de oração – altaneiro ergueu a voz para louvar a Deus entoando as mais belas músicas sacras durante a missa, homenageando aquele lugar bendito onde começou dar seus primeiros passos.
Os sinos da igreja erigida em 1665, entretanto, por razões que acredito decorrerem de manutenção da infra-estrutura secular, não tocaram com o vigor de antes: desafiar a passagem dos séculos é algo que exige manutenção e, lamentavelmente, vivemos em uma época de muita insensibilidade, sobretudo das autoridades, para com a preservação cultural e ambiental.
Um dos sinos da torre estava posto no chão da igreja matriz e não dobrou festivo quando o andor com a imagem do precursor de Cristo saiu em procissão, mas para a ausência do badalar de sinos, concorreram os fiéis com caloroso aplauso e dada a quantidade de pessoas, aqui e acolá ouvia-se, bela e fervorosamente, irromper em alta voz: “ viva São João; Viva!” A fé fez as vezes dos sinos e ignorou a circunstância imposta pelo transcurso de quase quatro séculos.
São João Batista era filho Santa Isabel, prima da Virgem Maria, tia de Jesus e sobrinha de Sant’Ana. Portanto, Sant’Ana era tia de Santa Isabel e tia-avó de São João. Por isso mesmo, mereceu singular tratamento a passagem da procissão diante das Igrejas de Nossa Senhora do Carmo e de Sant’Ana. Em ambas as igrejas os sinos dobraram retumbantes tão logo a procissão por elas passava e, na porta de ambas, o andar de São João parou, sendo que na Igreja de Sant’Ana demorou-se um pouco mais: tempo suficiente para rezar um Pai-nosso e algumas Ave-Marias.
Finda a procissão, movida pela fé – aquela mesma que move montanhas – outra vez ecoou imensa salva de palmas quando o andor com a imagem de São João Batista subiu a escadaria da igreja de que é patrono.
No alto da escadaria, outra vez a imagem foi volvida para o povo que, aglomerado na pequenina praça, empunhava nas mãos as velas – já abaixo da metade – levadas durante o cortejo de fé. A pedido do pároco, Pe. Heitor, um enorme e imenso silêncio fez-se ouvir nas imediações da igreja e nele a prece silenciosa de cada um foi dirigida a Deus pela intercessão de São João; um silêncio altivo e vibrante de uma sonoridade estridente.
Para a adversidade advinda do descaso do Poder Público que não disponibilizou meios para que de modo mais belo se realizasse aquele ato de fé – que também se traduz em uma das manifestações mais caras da cultura ludovicense e maranhense – socorreu a gratidão de muitos devotos, pelas graças obtidas, com o empenho necessário para fazer a data jubilar não passar em branco e grupos folclóricos, em especial de bumba-meu-boi, generosamente se apresentaram na frente da igreja em louvor a Deus pela mercê de São João.
Nas fogueiras acessas neste dia na Ilha do Amor, para os que as tomam por testemunhas de supremas verdades, fica o clarão de uma certeza de fé e convicção: o tempo sempre se encarrega de ratificar aquilo que merece sê-lo.
A história é o povo quem faz e o que atravessa gerações merece respeito e tem valor. Ontem e hoje, as gerações passadas, no plano do invisível, e as presentes, no plano da visibilidade, há 350 anos unidas proclamam: Viva São João!

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