sábado, 22 de maio de 2010

O perfume da Margherita de Roccaponare


É imperioso dizer, e eu o faço com toda minha humildade, que desconheço as atuais técnicas de produção de perfume. Inobstante a isso, sei que, em tempos outros, eram retirados apenas de rosas, esmagando-se com inclemência as mesmas, as dezenas ou centenas, para conseguir-se extrair as suas essências, as quais adquiriam a forma de gotas, porém, em uma gota apenas, qual martírio não era sacrificar a beleza de muitas dezenas de flores.

Margherita de Roccaponare é um espécime raro de flor cuja essência da fragrância foi retirada em meio a grandes dificuldades e mortificante esmagamento pelo sofrimento da carne. Na verdade isto é uma Metáfora; Roccaponare é um lugarejo próximo de Cássia, região italiana da Úmbria e Margherita é uma mulher-flor que nasceu nesse lugar e que cujo viver, transmutou-se em celeste perfume desde seu alvorecer até o seu ocaso, momento em que se deu o ponto auge da extração da sua fragrância.

"Nascida em 1381, ela fora batizada com o nome de Margherita, mas foi logo apelidada pelo pedacinho de seu nome, Rita. Margherita – do latim margarita- significa pérola ou pedra preciosa. Leão XIII, quando a declarou Santa, chamou Rita de “Pérola Preciosa da Úmbria”. (STAUT, Neusa. A vida de Santa Rita de Cássia. Neusa Staut. [s.l], [s.d]. Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/homenagens/1607647. Acessado em 22/05/2010).

“Pérola preciosa da Úmbria!” Corria o ano de 1900 e com este epíteto, o Romano Pontifice Papa Leão XIII conseguiu a proeza de sintetizar, em poucas palavras, a grandeza de uma alma humilde onde a mão de Deus fez prodígios, mostrando todo o seu poder, desde o alvorecer até o ocaso da vida de Margherita Lotti. Debaixo do céu de maio, Leão XIII elevava a honra dos altares, em Roma, aquela flor desabrochada no inverno existencial e cujo perfume exala na sutileza de seu viver uma verdade imorredoura e incontestável: “Para Deus nada é impossível”(Lc 1,37).

A hagiografia dos séculos nos desloca, em 22 de maio, para o ano de 1457 e nos convida a lançar nossos olhares à cidade de Cássia na região italiana da Úmbria e nos deleitar com a suavidade da fragrância divina de uma Rosa-flor, guardada na singeleza de um corpo incorrupto que, desafiando o tempo, atravessou os séculos e ainda hoje dá testemunho daquela verdade profetizada pelo anjo Gabriel à Virgem Maria: “Para Deus nada é impossível”(Lc 1,37).

O que dizer de Rita de Cássia após mais de quinhentos anos de sua morte e o fato de seu corpo, sem nunca ter sido embalsamado, permanecer exalando agradável perfume sem apresentar sinal de putrefação quando as leis da biologia são no sentido de que todo corpo, após sua morte, naturalmente, tende a se decompor? A ciência se emudece, o silêncio, por sua vez, se faz estridente em uníssono e vibrante som que, diante de tal acontecimento, não murmura na fragrância daquele perfume outra coisa que não seja o ensinamento de que... “para Deus nada é impossível”(Lc 1,37).

Semelhante a São João Batista, a santa dos impossíveis nasceu de um casal de idosos, sua mãe lhe deu a luz com 62 anos e segundo hagiógrafos também teve, a exemplo daquele santo, um anjo como o mensageiro do anúncio de seu nascimento e do nome que deveria ostentar: Margherita, que carinhosamente seus pais, Antônio e Amata Lotti, e posteriormente o mundo todo, abreviando-o, passaram a dizer apenas Rita. Aliás, isso é costume, por assim, dizer universal; quantos no Brasil não se chamam José, Francisco, Cecília, Juliana entre outros e são conhecidos como Zé, Chico, Cici, Juju...

O epíteto de Santa das Causas Impossíveis se deve por uma razão bem simples: muitos são os prodígios e milagres que se atribuem ao patrocínio e intercessão da referida santa, junto a Deus, na obtenção de graças em causas tidas como difíceis, ou mesmo impossíveis, aos olhos humanos. O impossível aos olhos humanos, por sinal, foi algo que sempre se mostra no viver de Rita em diversos momentos dando prova da sua intima ligação com Deus.

"Quando Antônio e Amata iam trabalhar nos campos, colocavam sua filhinha em um cestinho de vime que levavam consigo e abrigavam-na à sombra das árvores.
Um dia, enquanto lavradores e pássaros cantavam em uníssono, a criança sonhava com os olhos voltados para o céu azul. Foi quando um grande enxame de abelhas brancas a envolveu fazendo um zumbido especial. Muitas delas entravam em sua boca e aí depositavam mel, sem a ferroar, como se não tivessem ferrões. Nenhum gemido da criança aconteceu para chamar a atenção de seus pais; ao contrário, a pequena Rita dava gritinhos de alegria.
Enquanto isso, um lavrador que estava próximo feriu-se com uma foice recebendo um grande talho na mão direita. Dirigindo-se imediatamente para Cássia a fim de receber os necessários cuidados médicos, ao passar perto da criança viu as abelhas que zumbiam ao redor de sua cabeça. Parou e agitou as mãos para livrá-la do enxame. No mesmo instante, sua mão parou de sangrar e o ferimento se fechou. Ele deu gritos de surpresa, o que chamou a atenção de Antônio e Amata que correram ao local. O enxame, por poucos instantes disperso, voltou ao seu lugar e mais tarde, quando Rita foi para o mosteiro de Cássia, as abelhas ficaram nas paredes do jardim interno".
(Santa Rita de Cássia. [s.l], [s.d]. Disponível em: http://www.derradeirasgracas.com/2.%20Segunda%20P%C3%A1gina/Santa%20Rita%20de%20C%C3%A1ssia.htm. Acessado em 22/05/2010).

Na vida, entretanto, o seu desejo de abraçar a vida consagrada foi obstaculizado por um matrimônio que seus pais arquitetaram para a mesma que mesmo sem ser seu desejo acabou por aceitá-lo em sinal de obediência aos pais, os quais tendo avançada idade, receavam que, morrendo, sua filha única ficasse sozinha no mundo.

Rita foi dessas pessoas que teve que conviver com o temperamento arrogante de um marido agressivo, vingativo e dado a farras e quando enfim obteve a graça de vê-lo mudar de vida teve que conviver com a dor do assassinato do mesmo pelos desafetos por ele colecionados em sua vida de tortuosos caminhos.

Se a dor do luto lhe era amarga, a profunda angustia de ver seus filhos inflamados pela sede de vingança pela morte do pai, não lhe era sentida em menor grau de intensidade, tanto assim o era que vendo que nada abrandava o ímpeto daquele anseio de vingança, em suas orações, pediu a Deus vê-los antes mortos a vê-los como assassinos, o que de fato ocorreu após cause um ano de convalescência de grave moléstia. Por consolo, veio o fato de no leito de morte seus filhos desistindo da vingança, terem perdoado os assassinos do pai.

Já atingindo a casa dos trinta anos, contabilizava uma viuvez, a morte de seus filhos gêmeos, a ausência também de seus pais e tudo em lapso de tempo muito próximo. O desejo pela vida religiosa desabrochado nos anos de adolescência enfim poderia ser realizado, já que em épocas pretéritas sujeitou-se ao casamento para ela arquitetado por seus pais muito embora não fosse seu desejo, mas não sendo mais virgem, provavelmente não seria admitida em um convento, era algo impossível aquela época onde inclusive a mulher não tinha notoriedade no meio social.

Após ter entrado milagrosamente, durante a noite, no mosteiro das monjas agostinianas sem que as trancas do mesmo fossem abertas ou quebradas, as monjas a acolheram. Teria ela entrado no recinto com a ajuda de três santos que a conduziram suspensa do chão até o alto do mosteiro onde entrou em êxtase e, quando retornou ao estado normal, se achou nas dependências daquele recolhimento de religiosas sem entender bem como; os santos eram santo Agostinho, São João Batista e São Nicolau de Tolentino. Mas, ao menos em meu julgar, também é muito interessante o fato que a seguir transcrevo:

"Certo dia, a superiora, para pô-la a prova, pediu-lhe que, todos os dias, regasse um galho seco pela manhã e à tarde. Em sinal de obediência, Rita o fez com todo o carinho e, tempos depois, milagrosamente, o galho seco se transformou em uma bela videira. Esta ainda existe, em Cássia, e continua produzindo uvas”. (Santa Rita de Cássia. [s.l], [s.d]. Disponível em: http://www.derradeirasgracas.com/2.%20Segunda%20P%C3%A1gina/Santa%20Rita%20de%20C%C3%A1ssia.htm. Acessado em 22/05/2010).


Também não se pode deixar de dizer deixar de ressaltar o fato de que tão logo fora admitida no mosteiro, Rita plantou uma roseira que todos os anos dá flores no inverno e nisto repousa o impossível: na Europa flores florescem na primavera e não no inverno onde sequer as plantas tem folhas.

“Já no leito de morte uma parente de Rita a visitou no inverno, quando tudo estava coberto pela neve. Ao se despedir, a parente perguntou se Rita queria algo. Ela disse que sim, e pediu uma rosa do jardim de sua antiga casa, em Roccaporena. A parente julgou que ela estava delirando; desde quando havia rosas no inverno? Para atender o pedido foi em sua antiga casa e chegando em sua vila, a surpresa: Milagrosamente em meio à neve, havia uma rosa magnífica! A parente a colheu e levou para Rita, que agradeceu a Deus por Sua bondade". (Santa Rita de Cássia. [s.l], [s.d]. Disponível em: http://www.derradeirasgracas.com/2.%20Segunda%20P%C3%A1gina/Santa%20Rita%20de%20C%C3%A1ssia.htm. Acessado em 22/05/2010).

No mosteiro de Cássia, até hoje, conserva-se um belo jardim onde inclusive existente aquela roseira. Não por menos, Rita tem sua figura associada a uma rosa e diante do fato de ter desabrochado no inverno em condições tão adversas, mais uma vez penso se fazer latente a certeza de que “para Deus Nada é impossível”(Lc 1,37).

Nos últimos quinze anos de sua vida, trazia na testa um estigma, uma ferida, provocado por um espinho da coroa de um crucifixo, o qual desprendeu-se e feriu a santa que encanto rezava diante dele pedirá poder participar um pouco do sofrimento de Cristo; ferimento este que causava-lhe atrozes dores, tinha aspecto feio e exala odor tão desagradável que o convento achou por bem isolá-la do convívio das outras freiras em uma cela onde levam o que ela precisava para manter-se viva. Tudo foi por ela suportado com grande paciência no ofertar de tudo nas mãos de Deus, inclusive o isolamento do qual fez escada caminho para aumentar sua intimidade co o divino.

Após sua morte, todo o quarto onde convalescerá, bem como as adjacências se impregnam de agradabilíssimo odor de rosas e seu corpo também partilha de igual sorte chegando inclusive a ganhar um aspecto corado próprio de que está vivo e que a dias já lhe era escasso, ao passo que a ferida na testa imediatamente cicatrizando ganhou um tom avermelhado semelhante a um rubi, dando o cheiro até então purulento e desagradável lugar a agradabilíssima fragrância. Hoje seu corpo se encontra em uma urna de cristal suspensa por sobre o altar do Santuário a ela dedicado em Cássia.

O perfume da Magherita de Roccaporena não é senão a santidade própria dos eleitos de Deus. Não por menos a figura de Rita associa-se a rosa que em verdade é entre as flores a que tem fragrância das mais agradáveis. Como toda rosa tem espinhos, a vida também não lhe foi fácil, antes foi generosa no ofertar de sofrimentos e diante de seu perfume nos mostra o quanto somos mesquinhos em nossa visão torpe arraigada em coisas mundanas, na moda, no prazer, na riqueza, no egoísmo, no desrespeito ao próximo e na falta de sabedoria pra viver, a qual se faz latente em nossos queixumes, quando estes em verdade são irrisórios diante de tantos outros sofrimentos infinitamente mais inclementes.

O perfume que vem de Cássia é a simplicidade e a humildade, presentes no evangelho, que emanam uma profunda sabedoria que deixa a inteligência e o conhecimento humanos abestalhados diante de questões como a incorruptibilidade do corpo de Rita. É somente à luz dessa sabedoria humilde e simples que o impossível se realiza naquela sutileza que somente o sentir satisfaz, sossegando a pretensão de explicar o porquê de tanto, na arrasadora certeza de uma fé: “para Deus nada é impossível”(Lc 1,37).

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