domingo, 20 de junho de 2010

Esquizofrenia contemplativa



Instante eterno

Embora seja da natureza do que é eterno a impossibilidade de mensuração com parâmetros próprios do que é efêmero; a eternidade se sublima e atinge a quintessência de sua plenitude quando, como que em um ato de generosidade e grandeza, se deixa sintetizar-se na efemeridade do instante transformando a fugacidade que dele é própria em infinito momento que, a despeito de exalar eternidade, dura apenas o intervalo de um relâmpago.

Nesse enlace amoroso em que o efêmero e o eterno trocam carícias, o universo se condensa na pequenez de um grão de areia para depois explodir em toda a sua vastidão nas dimensões do coração humano, acelerando-lhe o compasso das suas batidas para fazê-lo experimentar os limites do indizível, mediante as dimensões d’alma que transforma idênticas a imensidão que lhe é peculiar. E tudo porque há quebra de paradigmas e proclamar de paradoxos: o efêmero comporta nas dimensões de sua fugacidade a visita da eternidade; e a eternidade despojando-se de sua interminável infinidade, humildemente, valsa com o efêmero, ainda que por milésimos de segundos, num contraste em que as características de ambos deixam-se contagiar mutuamente.

Todavia, é apenas uma visita, um valsar sutil e sublime que sendo eterno dura apenas a fugacidade de um instante, mas produz fruto saboroso e de agradável degustação; que sacia e sem causar enjôo só aumenta cada vez a fome, que sacia gerando mais e mais fome com o desejo de ser saciado e transubstancia-se na mais sublime, pura e autêntica saudade que floresce dessa fugacidade-eterna.

A constatação desse mister é algo que não convém em palavras pormenorizar! Semelhante ao que ocorre com praticamente quase todas as boas coisas da vida, nem sempre explicar traz aos sentidos a satisfação que o simples sentir proporciona. Trata-se daquela satisfação que sacia pelo deleite de simplesmente sentir o frescor daquele mister que se esvai, no caminhar das horas, pelo soprar do tempo, deixando antes a fragrância impar, que lhe é particular e faz imortal, obliterada nas lembranças sob o pálio do que é inesquecível; e tudo em meio a sinfonia do silêncio que, de todas as melodias existências, seja talvez a única capaz de transformar o instante em momento imortal.

Quanta sonoridade, aliás estridente, no som do silêncio que serpeia uma troca de olhar; de um singelo e discreto sorriso; o rolar silencioso de uma lágrima; a sutileza de um gesto ou mesmo um aceno... Quanta eternidade não exala da tenra duração de tais momentos! Quanta efemeridade não se transmuta em eternidade e faz desses momentos instantes eternos que valem toda uma vida! Aliás, que instante eterno não o é esse que, por epíteto, chama-se vida.

Se o explicar não ocasiona a mesma satisfação que o sentir, que tal simplesmente sentir o instante? Sim; o “agora”, o momento que floresce e murcha diante de nossos olhos. Como senti-lo? Vivê-lo parece ser uma boa pedida. Como vivê-lo? Que tal tentar simplesmente valsar com o agora no ritmo em que se apresenta, mas com o compasso da vontade de simplesmente ser feliz? E se a empreitada lhe parece tentadora, a recomendação para uma boa dança, com direito a bis e tudo mais, Vinicius de Morais bem a deixou: “que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. O agora... o instante eterno! O outono não para é agora. É pra depois!

sábado, 5 de junho de 2010

Dia do meio ambiente



A terra das palmeiras.

Será que se Gonçalves Dias estivesse vivo diria que sua terra tem palmeiras onde canta o sabiá e que as aves que lá onde se encontrava não gorjeavam como as de cá? Lá as aves ao menos gorjeavam e as daqui quase não as vemos. Será que o cinco de junho não é um dia agourento? Ou será que, quando não existia, as aves gorjeavam e agora não o gorjeiam porque a humanidade só se lembra de preservar o ambiente nesse dia?

Eh! Gonçalves Dias... Deus ouviu tua prece: morreste antes que estes funestos fatos acontecessem e as palmeiras que tanto te encheram os olhos caíssem por chão: ainda as viste cheias de sabiás. Certamente se não tivesses morrido ser-te-ia menos doloroso suportar o exílio, contudo viram as águas que não merecias tal desgosto, talvez por isso te afogaram: só para te poupar de uma dor maior.

Ao menos o sabiá vez ou outra ainda canta, mas se seu canto é um hino de alegria ou de nostálgica melancolia, só outros inúmeros "cinco de junho" poderão dar a resposta. Isto é, se o calendário passar a ter doze meses de junho e somente dias cinco. É como dizem: a esperança é última que morre.

Só nos resta torcer para que essa esperança tenha a sorte de Mathusalém.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Corpus Christi

A partilha pela fé e a fé pela partilha.

“Nem só de pão o homem viverá, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Assim ensina a Sagrada Escritura em seus evangelhos. Entretanto, não se pode fechar os olhos para a necessidade de que se o homem necessita do alimento capaz de saciar a fome espiritual, também necessita daquele que sacie a corpórea.

A fé e a razão são duas asas que elevam o pensamento humano. Assim certa vez disse João Paulo II e na festividade de Corpus Christi, penso que se faz plenamente aplicável esse modo de pensar.

A transcendência da fé, desaguando na transubstanciação do vinho e do pão no corpo e sangue de Cristo é algo extraordinário, no sentido de que de forma admirável reuni em torno de um altar inúmeras centenas de milhares de pessoas em toda parte do mundo onde se professa a fé cristã católica.

Mas se a fé nos leva a experimentar o sobrenatural, através da elevação, pela graça divina, mediante os sacramentos, de nossas imperfeições através do reconhecimento não só das mesmas como também da necessidade que temos de Deus, semelhante a terra seca o tem de água fresca... É preciso usar da razão para que nosso espírito a partir do nosso pensar, possa zarpar logos altos sem capengar, ou perder altitude, em elevadas alturas.

Deste modo, não é demais lembrar expressões como “eu sou o pão vivo descido dos céus”; ou “meu corpo é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida” entre outras tantas que na Sagrada Escritura se atribui a Cristo. Também não é demais lembrar que a fé necessita de obras, ou seja, se o alimento espiritual é imprescindível, o alimento corpóreo também não se faz menos importante haja vista que é vital ao homem cuja fé só floresce e desabrocha se este estiver em condições de suprir suas necessidades físicas primeiras.

Em outras palavras, a fé sem obras não se aproveita e vice-versa, pois uma fé sem obras é morna, não se faz plena; já obras sem fé não tem sentido de ser. Ambas se completam nessa empreitada de elevar o pensamento humano assim como a teoria e prática, as quais se não forem conjugadas num perfeito binômio, jamais podem alcançar a excelência.

Celebrar a festa de Corpus Christi antes de tudo implica se renovar em suas forças, espiritualmente falando, com o alimento próprio para tanto através do Cristo Eucarístico que em toda sua divindade e grandeza se deixa encontrar na singeleza de uma hóstia através do sacramento da comunhão. Porém, tendo em vista a palavra comunhão, celebrar tal festa também implica em partilhar o pão, seja ele espiritual ou corpóreo.

Não é sem razão que combater toda e qualquer forma de exclusão ou corrupção, que de um modo ou de outro colabora para o acúmulo de riquezas e bens nas mãos de poucos, em detrimento da miséria de milhares, deve ser o compromisso moral de quem comunga aquele que é incorruptível por essência. Eis a árdua tarefa de todos quantos veneram o Santíssimo Sacramento, pois se nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus, esse mesmo Deus é quem ordena a amarmo-nos uns aos outros e a dividir o que temos com quem não tem, dá de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede.

A fé precisa de ações e ações concretas e consistentes, ou melhor, incisivas, no sentido de coibir os meios de exclusão e repressão causadores de tanta fome e desrespeito ao homem em sua dignidade de filho de Deus e de indivíduo cujas necessidades básicas vitais não só devem ser saciadas como devem ser oportunizados os meios capazes de tanto, a fim de que não fique o homem refém do compadecimento alheio e isto é algo que sugere princípios éticos na contenção de práticas corruptas de todas as áreas da atuação humana; práticas estas que patrocinadas pelo egoísmo/individualismo, se fazem em patente confronto com a fraternidade, principio - mor da comunhão própria da partilha do pão do céu: CRISTO.

Como fazer para coibir tais práticas? Não ser conivente com tal quadro mostra-se meio eficaz. Como não ser conivente com tanto? Não se acovardar em silêncio parece ser uma opção louvável, afinal como dizia Leão XIII, “a ousadia dos maus cresce com a covardia dos bons”.