domingo, 21 de fevereiro de 2021

CENTENÁRIO DE MEU AVÓ ESMERALDO



CENTENÁRIO DE UM HOMEM DE PALVRA


A Sagrada Escritura ensina que no início era a Palavra e pela Palavra tudo foi criado e sem Ela nada do que se fez teria sido feito. Na simplicidade de sua sabedoria de vida, Domingos Esmeraldo de Araújo, fez jus ao nome de Esmeraldo, pois sempre soube valorizar e reconhecer o valor das coisas boas da vida, talvez por isso mesmo era um Homem de Palavra que, uma vez dita não voltava atrás e isto era-lhe motivo de honra fazê-lo.

Nascido entre os povoados de Rio da Prata e Palestrina, próximo de Pinheiro-MA, em 21 de fevereiro de 1921, filho de Hipólito Silveira e de dona Inocência Gomes Silveira (parteira de enorme fama), foi criado por seus padrinhos batismais, os quais também lhe deram o sobrenome Araújo. Apesar de ter recebido sobrenome diverso daquele de seus pais biológicos, nunca deixou que os laços sanguíneos se rompessem.

Nunca desmereceu a necessidade da instrução escolar, porém sabia e discernia bem a diferença desta com a educação, por isso, em tempos de falta de recursos econômicos, sempre ensinou, com palavras e com exemplo, bons modos à sua descendência, com muita disciplina e rigor, porque como sempre dizia: ‘‘cipó a gente desentorta enquanto tá verde’’, ou então ‘’é de pequeno que se faz o grande.’’

Foi marido de mais de uma mulher, viveu vários romances, cada um de sua vez; e se tornou pai de aproximadamente vinte filhos. Vivia dizendo: Eu sou da razão não sou da paixão,’’ Como do seu primeiro relacionamento amoroso os filhos nascidos foram registrados sem qualquer menção a seu nome, na qualidade de pai, a todos os demais filhos também não registrou. Ruindade? Não. Apenas um censo de justiça, segundo o qual se registrasse os últimos não seria justo com os primeiros, razão pela qual no meu registro de nascimento não constar nome de avô materno.

Com ele convivi, tive experiências fantásticas como pescar; passar dias em seu sítio, ver todo o processo da fabricação da farinha, desde o plantio da mandioca até o beneficiamento da mesma na casa do forno; extrair guarimã; preparar e tomar vinho de buriti e murici; apanhar perdizes, surulinas, fazer gaiolas, arapucas, balaios, meaçaba, cofo, entre outras experiências que só se vive e sente no campo. Com Ele apreendi o valor de ter caráter, a firmeza de ser autêntico e de não se deixar mudar para agradar a outrem, ainda mais quando se está certo; com ele apreendi o gosto e ‘’o prazer de ser caxias,’’ de ser irrepreensível e de sempre agir com retidão para nunca baixar a cabeça diante de ninguém.

Foi-se o homem, ficou o nome. Assim ouviu-se de alguém, no cemitério Santo Inácio, a hora que seu corpo foi sepultado em abril de 2008. Ficou o nome e nele impregnado a solidez do infinito de um sentimento bom e de um legado de retidão, justiça e honradez.

Dele não se pode dizer que fosse dado a externar manifestações públicas de carinho ou afetos, embora de fato nutrisse enorme estima pelos seus. Porém era deveras respeitador e gentil no tratar, sem jamais renunciar a sua personalidade bem definida e consistente: seu sim era sim, seu não era não, não havia meio termo quando era preciso dizer e definir o certo do errado, só é pena que fazia com muita severidade, mas fazer o que?! Toda rosa tem espinhos.

Enfim... O tempo passou, ontem era presente e hoje só o infinito e o rastro luminoso das virtudes vivenciadas ao longo de um século, que relativizam a austeridade da severidade, com a lembrança risonha do exemplo de justiça, retidão, inteligência. Rebrilha neste centenário, o vigor fenomenal e virilidade que o tornaram “um homem de palavra,” aguerrido por opção, destemido por convicção, bruto e implacável com tudo que não prestasse, que fosse errado ou contrário ao seu ideal de honradez, honestidade e probidade.

Um enciclopédia de provérbios populares que mais do que falar colocava em prática. Certa vez, quando as galinhas de seu sitio começaram a desaparecerem, sem saber quem estava roubando e para não ser leviano apontando este ou aquele como provável larápio, lembrou-se do ditado popular de que ‘‘quem quer pegar galinha não diz chô (não enxota),‘‘ de tal forma que aplicou vermicida nas aves em segredo, pois sabia que após esse remédio as aves só poderiam ser abatidas para consumo depois de um mês.

Apesar de todo rigor, sempre teve e manteve um humor jovial, cheio de picardia, jocosidade, reservado aos seus familiares e amigos. Como as galinha continuaram sumindo, pacientemente esperou a notícia, foi quando na vizinhança explodiu a notícia de alguém com forte dores estomacais, intensa diarreias e cólicas insuportáveis, ao que como bom vizinho foi logo visitar e já na entrada, de forma curta e grossa deu logo o diagnóstico e cura da doença: ‘’tá explicado porque minhas galinhas estavam sumindo: resultado de quem mexe no alheio é isso mesmo’’, finalizando aquela ‘visita de médico’’ com outro ditado popular: ‘‘o alheio chora seu dono’’.

Fato é que suas galinhas nunca mais desapareceram, assim como a fama de ruindade que ganhou, bem como a fama de que fazia reza para que quem pegasse as coisas dele fosse maldiçoado. Esperto e perspicaz, morreu sem revelar a artimanha de sua genialidade de ao invés de ficar de tocaia para pegar o ladrão, aplicar vermicida para que o larápio se arrependesse de comer galinha roubada e isto contava com em meio a galhofadas, cheio de si por ser honesto e homem com H maiúsculo, não somente pelo aspecto biológico, mas sobretudo pela honradez de caráter.

A este homem de palavra, uma palavra, no plural – como eram suas virtudes: saudades. Receba minha gratidão por todo exemplo que legou para vossa descendência, querido vovó Esmeraldo.