segunda-feira, 7 de março de 2011

Sutilezas da leveza do suspenso



Há lugares em que a reflexão encontra verdadeiros templos, onde se faz deusa a ser cultuada e não raro deságua no infinito, onde o tempo não se confere, pois os relógios têm horas infindáveis nas quais um segundo é incomensuravelmente interminável.

Às vezes aqueles lugares se fazem suspensos e dotados de uma leveza gravitacional inimaginável como as entrelinhas de um manuscrito que, lidas, ganham a forma de palavras que se vão esvoaçadas pelo vento; outras tantas exalam leveza e tornam suspensos aqueles que lhe visitam ou tão somente contemplam.

Aquilo ocorre por uma razão bem simples: a sensação, ainda que fugacíssima, de ausência de tempo; ou de seu instantâneo estagnar, ainda que por breve fração de segundo; ou ainda de seu caminhar em câmera lentíssima, a protagonizar, pela lucubração, o fomento de grandes lições, como a que se extrai do Capítulo 3, versículos de 1 a 8 do Livro do Eclesiastes:

“Tudo tem seu tempo, há um momento oportuno para cada empreendimento debaixo do céu. Tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de colher a planta. Tempo de matar, e tempo de sarar; tempo de destruir, e tempo de construir. Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de gemer, e tempo de dançar. Tempo de atirar pedras, e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar, e tempo de se separar. Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de jogar fora. Tempo de rasgar, e tempo de costurar; tempo de calar, e tempo de falar. Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”.

Compreender o tempo, que o digam os historiadores e o cronômetro, é fracioná-lo em anos, meses, dias e horas para aprisioná-lo em relógios, controlando-o e demarcando o ritmo de seu passar, observando-o, fazendo-o vassalo da vontade humana a estipular tempo e ocasião para tudo. Lêdo Engano! Que a tempo para tudo ninguém duvide, mas querer delimitar e determinar esse tempo é, no mínimo, burrice de quem buscando compreendê-lo não se permite tempo para si próprio.

Leve e suspenso caminha e caminha e caminha... as vezes ligeiro, por vezes vagaroso e assim vai caminhando como bem lhe apetece, porque compreender é um ato de conhecer e conhecer é algo que não se faz por meio da arrogante postura de dominar. Relógios existem e se seus ponteiros em um único caminhar dá, em forma de segundos, sessenta passos, é porque o tempo se faz e julga está de acordo. Não por menos, quem o compreende passa por ele, e com ele caminha, perenizando-se, mesmo depois de sua existência física fazer-se suspensa, por lembranças, numa intangível leveza que se inaugura com o ocaso de um viver. Que o diga William Shakespeare:

"O tempo é muito lento
para os que esperam,
muito rápido para os que têm medo,
muito longo para os que lamentam,
muito curto para os que festejam.
Mas, para os que amam, o tempo é eternidade"

Caminhar de mãos dadas com a leveza, e fazer-se suspenso da realidade e de si, é cavalgar pelo vento na contramão do relógio, fazendo de seu Eu o peitoril suspenso de infinito. Permitir-se ficar fora do tempo, para compreender a existência de um patamar onde presente, passado e futuro possam ser vislumbrados de forma panorâmica, impõe continência à leveza do suspenso.

Portanto, se o tempo não é o mesmo para todos e muito menos uniforme ou submisso aos relógios, concebidos a luz de parâmetros uniformes e invariáveis, que não albergam as dilações de um caminhar contínuo, porém variante e variável em uma escala gradativa de infinidade... É válida a lição do Eclesiastes, no sentido de sabendo qual tempo é chegado, melhor administrá-lo já que para uns é ligeiro, para outros, vagaroso e para outros tantos, verdadeiras eternidades. Destarte, demos as mãos a Mário Quintana:

“Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois”.

Sutileza suspensa em sublime leveza de quem passou pelo tempo conjugando todos os tempos, definindo-o em um particular por menor de ceticismo, cheio de dogmática certeza, de um certo Mário, chamado Quintana, que fez-se poeta, e da folha de papel em branco o jardim onde semeou letras feitas palavras que rebentam na mesma leveza suspensa de quem apenas as materializou, tanto mais leves quanto sutis, para visitarem o suspenso quando, da folha de papel, ditas pela leitura da palavra escrita: “O tempo é a insônia da eternidade”.

“Conhecer a essência de algo é o mesmo que conhecer sua causa” (Aristóteles). Portanto, cada um procure dar ao tempo a definição que melhor lhe convier, contudo sendo certo que toda definição impõe prévio conhecimento, que ninguém gaste tempo tentando compreender as sutilezas da leveza do suspenso do universo e de sua própria existência se não estiver disposto a compreender e conhecer a sua causa: a ausência de tempo. Para quem se dispõe a tanto é mister primeiro conhecer aquilo cuja ausência se pretender identificar; necessidade está que exige um encontro sem o qual nenhum conhecimento se dá de forma plena. Em todo caso fica a proposta de Mário Lago:

"Fiz um acordo de coexistência
pacífica com o tempo:
nem ele me persegue, nem eu fujo dele,
um dia a gente se encontra"

Sublime sutileza. Encontro fundamental e inevitável! Sendo o tempo insônia da eternidade, está preparado para esse encontro é caminhar sabendo que a noite é longa e se bem verdade que há tempo para tudo, até mesmo a eternidade há que ter tempo para dormir e, como toda noite de sono, o alvorecer sempre coincide com o despertar de sonhos ou pesadelos cuja lembrança se prolonga nas horas que se inauguram com a aurora.

Eis a sutileza do suspenso: passar pelo tempo de forma a ser registrado no inconsciente da eternidade em seus mais risonhos sonhos; sonhos intensos que se façam retidos na mente ao alvorecer. Alvorecer luminoso como o imorredouro gênio poético de Cecília Meireles:

Sê o que o ouvido nunca esquece.
Repete te para sempre.
Em todos os corações.
Em todos os mundos.

********
Para L. Rabelo, com quem contemplei a leveza do suspenso em sua mais risonha faceta.
********