domingo, 31 de janeiro de 2021

A CORAGEM DE BATINA

(Foto: Pe. Newton Pereira. Fonte: Arquivo Sandra Mendes)

A CORAGEM DE BATINA.
(Mauricio Gomes Alves, APLAC)

Na pequena cidade de Pinheiro, no mês de julho de 1929, não se falava outra coisa: Newton de Antônio Pereira e de dona Evarinta ia ser padre. Era o primeiro pinheirense a atingir esse grau na hierarquia da igreja católica e a notícia começava na Faveira – onde aportavam os barcos que vinham de São Luís pelo Armazém – e de lá passava pela Praça da República, onde ficava a módica igrejinha de Santo Inácio; espalhava-se com o vento, na direção da Praça da Bandeira, passando na porta da prefeitura, seguindo até a pequenina capelinha de São Benedito, na Praça da Independência, única construção que restou do antigo cemitério – desativado há 7 anos, para dar lugar aquela praça – onde algumas cruzes ainda davam testemunho fúnebre do passado daquele local.

Chega 31 de Julho, dia de Santo Inácio, aniversário de 24 anos do jovem Newton Ignácio Pereira que aguardava em São Luís, no Seminário Santo Antônio, o dia da tão esperada ordenação sacerdotal. Em Pinheiro, do lado de fora da igreja, depois da procissão de Santo Inácio, todos parabenizavam dona Evarinta que daquela data, apenas alguns dias mais, ia se tornar mãe de um padre muito inteligente, que destacava-se entre os seminaristas de sua classe, tanto pelo proceder, como pela oratória que possuía, dono de uma inteligência aguçada, prática e refinada.

O Sr. Vicente Freitas de Abreu, orgulhoso de ter sido o professor que educou o futuro padre – desde quando, ainda menino, veio da fazenda Realeza, no gama (onde nascera), até antes de sua ida ao seminário – aproximou-se de dona Evarinta.

- Boa noite dona Evarinta. Parabéns! Não é todo mundo que tem um filho tão erudito e além do mais padre.
- Boa noite seu Vicente. Eu que agradeço pelo senhor, que desemburrou meu Newton. Bom aluno é fruto de um bom professor.
- Dona Evarinta e quando será a ordenação dele como padre?
- Vai ser no dia do aniversário de São Luís. A Gente lá de casa vai viajar no fim do mês que entra para a cidade, que é pra chegar com tempo. Essa travessia daqui até lá é puxada. Só atravessar esse Armazém...

Nessa hora, seu Severino Pereira Silva, que era sobrinho do marido de dona Evarinta, interrompeu aquela conversa e tomou a benção a dona Evarinta e saiu ligeiro para sua casa, que fica por trás da igreja, esquina com Mestre Adão Amorim. Ia disparar, do seu quintal, todo o seu arsenal de fogos que vinha preparando desde o começo do festejo, enquanto todos, felizes, davam vivas a Santo Inácio.

- Não gasta os foguetes todos Severino – disse gritando o Dr. Elisabetho Barbosa de Carvalho – deixa um tanto para recepcionarmos o novo padre quando ele chegar.
- Não se preocupe não, Doutor – gritou mais alto seu Severino Silva – daqui até lá eu faço o dobro de foguetes.

No mesmo dia em que foi ordenado, Newton Pereira começou se arrumar para viajar a Pinheiro. Trazia na bagagem esperanças mil e o desejo de reformar aquela pequena e módica igrejinha de Santo Inácio. É que ouvira nos corredores do Seminário Santo Antônio, em São Luís, a notícia de que uma prelazia seria instalada ao norte do Maranhão e pensou, falando consigo mesmo.

- Quem sabe aquela igreja ampliada, talvez com estilo greco-romano... Ah se eu conseguisse mobilizar aquele povo. Eh! Seja o que Deus e Santo Inácio quiserem.

Encerrou aquele monólogo com um suspiro fundo e terminou de arrumar as malas, todavia no pensamento ficara sonhando acordado, tracejando no pensamento as linhas imaginárias de uma nova igreja. Antes de chegar em Pinheiro, naquele dia 9 de setembro, experimentou uma grande emoção: o povo o aguardava no meio da estrada e ao identificarem naquele vulto preto, a batina que trajava, montado no lombo de um cavalo, não se contiveram e correram ao seu encontro.

Severino, como tinha prometido, detonou tantos foguetes quantos pode em homenagem ao seu primo padre. A cidade tomou ciência de que o padre estava chegando.

- Obrigado Severino – agradeceu o Pe. Newton
- Sua bênção primo – falou Severino fazendo um gesto de reverência, mesmo sendo ele mais velho que o primo padre.
- Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo – disse o neo sacerdote, traçando o sinal da cruz no ar.
- Quando eu tiver um filho eu quero que o senhor seja o padrinho – apressou-se logo em dizer Severino, querendo garantir desde logo o privilégio de ser além de primo, compadre de um padre.

Sorrindo, padre Newton sinalizou, positivamente, com a cabeça; afinal, não tinha afilhados e tinha deveras apreço por aquele seu primo fogueteiro.

Amanhece o dia 10 de setembro, a igrejinha de Santo Inácio está lotada e naquela manhã, pela primeira vez, o jovem Newton, revestido dos paramentos litúrgicos, se encaminha ao altar onde se encontra a pequena imagem de Santo Inácio de Loyola.

- In nomine Patris, et filii, et Spiritu Sancti – diz padre Newtom em um latim impecável, com uma sonoridade e timbre de voz perfeitos, num tom austero e vibrante, com toda solenidade, esmero e piedade, que tocam fundo na alma dos presentes, cujas vozes se irromperam em um altivo Amén.

Mas dona Evarinta Mendes Pereira, ladeada por seu esposo e suas filhas Maria de Lourdes e Nila, não diz uma palavra; apenas se benze, absorta pela emoção de testemunhar aquele momento de seu filho, que lhe faz verter lágrimas dos olhos, as quais escorrem macias pela serenidade de seu semblante, resguardado pela cor escura do véu que usava, contrastando tudo com o ar discreto do sorriso de felicidade, que floresceu em seus lábios, no lugar do amén.

A missa termina e padre Newton, após alguns dias com seus familiares, volta para São Luís e lá aperfeiçoa ainda mais seu intelecto, expandindo seus conhecimentos, tornando-se um grande latinista. O tempo passa e depois de 8 anos, torna-se um grande jornalista, atuando no hebdominário CORRESPONDENTE, jornal de orientação católica, recebendo notícias de Roma sobre a instalação da prelazia ao norte do Maranhão, cuja sede ainda não havia sido definida. Novamente renasce o sonho de ampliar a antiga igrejinha de Santo Inácio e após algumas eclesiásticas tratativas é enviado para Pinheiro, como pároco, no ano de 1937.

Outra vez os conterrâneos do padre encheram-se de alegria e foram esperá-lo, desta vez no Cais da Organização de Albino Paiva LTDA, na Baixinha. Severino, que ia passando e viu o movimento correu até o padre.

- Sua bênção padre.
- Deus te abençoe. E então, cadê meu afilhado? Soube que já tens um filho.
-Tenho sim meu primo – respondeu Severino – o nome dele é Geraldo, porém ele já tem padrinho, mas não se preocupe que Sebastiana tá no estado interessante e daqui pro dia de todos os santos tá nascendo o menino.
- Como tu sabes que é menino? – perguntou o padre, pasmo com tanta certeza.
- Pelo jeito da barriga de Sebastiana é menino – afirmou convicto Severino e, com uma expressão de autoridade no assunto, continuou – a criança mexeu foi cedo e essa dor, de vez em quando, por riba dos quartos... Certeza que é menino. Vai se chamar Almir.

Após uma gargalhada do padre, que achara engraçado tamanha certeza, apertaram as mãos e Severino, cuja previsão se concretizaria depois, pegou as malas do seu futuro compadre e levou para a casa de dona Maria de Lourdes, conhecida como Cotinha Pereira, irmã do sacerdote e sua prima.

Todo dia era o mesmo ritual. Terminada a missa o padre ficava na frente da igreja, reparando a sua direita a única torre que existia. Aquele módico templo de três portas e apenas uma torre, tosca e baixa, como quase toda a construção primitiva, herança do século XIX, deveria ser transformada senão jamais seria sede da prelazia. E então nessa contemplação esquecia-se o padre pensando alto consigo.

- Estas paredes já são centenárias, mas estão seguras. Eu aproveito esta torre e aumento a altura dela e construo outra daquele outro lado. Com duas torres fica imponente. Contudo pequena como é, será tolice uma nova torre; é preciso alargar a frente para o lado da esquerda e triplicar o comprimento – concluiu sorumbático o padre, que também não tinha recursos.

Mas num instante de luminosidade, surgiu-lhe a ideia de fazer a planta e mostrar para o povo, além de pedir apoio junto ao Dr. Elisabetho, pois olhando a planta da igreja o povo iria se entusiasmar.

- É isso! – exclamou o padre que apressadamente se dirigiu não mais a casa de sua irmã, mas sim a sua casa, de esquina com a praça do Poço do Mercado.

Após uma noite em claro, a planta estava pronta: das três portas de entrada da igrejinha, somente a porta do meio foi mantida, sendo duplicada na largura e praticamente triplicada na altura; no lugar onde outrora ficava o topo da cruz do pequeno templo, ficaria uma base de moldura triangular, por sob o portal da nova porta; traçado estilo colonial; torres rebuscadas e colunas greco-romanas, em todo interior, formando um átrio.

Padre Newton era um homem perspicaz, destemido, com um porte físico atlético, estatura imponente, um vigor e temperamentos de abnegada resolutividade e praticidade. O que dizia, isso fazia, e o que planejava acontecia; um homem centrado e seguro de si, dono de uma fortaleza interior tão pujante que suas atitudes, por vezes, eram implacáveis como uma rocha e, graças a isso, as dificuldades não foram capazes de detê-lo em seus propósitos.

Mas entre aquilo que pôs no papel e a concepção do seu sonho, durante a construção do frontispício da nova igreja, um fato cômico – quase trágico – chamou a atenção de todos, para a prudência; inclusive do padre, que dos livros dos tempos de seminário, passou a exercitar na prática, literalmente.

Era o mês de outubro de 1938, o Sr. Antônio Belém, mestre de obras afamado, auxiliado pelo Sr. Adão Amorim, que também se destacava pelo esmero, estavam à frente da construção da igreja, sendo escolhido Adão para dar o suporte na conclusão das torres e fazer os acabamentos das colunas greco-romanas do átrio da igreja. Com a parede frontal da igreja na exata altura a partir da qual as torres começariam a erguerem-se, o padre Newton, que a tudo era atento e mesmo sem ser engenheiro ou arquiteto tinha domínio nessas áreas, desejou subir na construção para certificar-se da solidez dos fundamentos da torre.

Trajando sua batina preta, após inspecionar a torre construída sob as paredes da primitiva torre do antigo templo, resolveu inspecionar as paredes que apoiariam a nova torre, que estava sendo erguida do outro lado. Como as paredes eram largas em sua espessura, resultado da amarração de mais de dois tijolos, entendeu que poderia tranquilamente ir de uma torre a outra, passando por cima do paredão da frente que ligava as mesmas.

Nesse momento, Adão Amorim, alguns anos mais velho que o padre e tão robusto quanto ele no aspecto físico, deixando à parte as banhas de piaba e óleo de baleia, que misturava com cal, para dar a liga da massa, atalhou os passos ao padre, pondo-se a frente do religioso, com os braços abertos, em forma de cruz.

- Padre, não pode fazer isso.
- Não pode por quê?
- É perigoso.
- Perigoso nada. Eu consigo equilibrar-me andando no meio fio da rua, quanto o mais em cima desta parede que tem três larguras do meio fio. Gentileza sair da frente que eu tenho pressa.
- Não saio não, senhor – retrucou Adão Amorim.

Severino, que ia de sua casa até o porto da Baixinha, ao passar na porta da casa de seu Esperidião Estrela – perpendicular à igreja e de frente a praça – ao cumprimentar aquele senhor, sentado de pernas cruzadas na calçada, foi comunicado daquele evento – que o idoso testemunhava desde o início – e mudou o rumo de seu caminho, correndo até o local daquela cena.

- Não facilite compadre. Desça daí – ralhou Severino bastante zangado – ou será que o senhor vai querer arrumar tragédia? Almir tá fazendo um ano e o senhor quer que ele fique sem padrinho justo no dia do aniversário dele? Dia de finados foi ontem, não é hoje.
O senhor vai descer padre – disse com firmeza Adão Amorim, que concluiu – pedreiro aqui sou eu e minha palavra é que prevalece.
- Mas o padre dessa igreja sou eu – respondeu, imediatamente, padre Newton.
- Então o senhor vai ter que passar por cima de mim, porque daqui eu não saio – falou ainda mais firme Adão Amorim.

E nesse embate de homens, que não estavam dispostos a ceder em suas vontades e entendimentos, a discussão logo chamou a atenção dos presentes e dos que iam passando.

Como aquele impasse caminhava para uma indefinição, pois o padre não admitia ser contrariado e Adão Amorim não admitia interferências em seu andaime... Depois de tantas palavras, argumentos e contrarrazões, já que pela força, um não podia obrigar o outro, pois ambos tinham força física equivalente e começar se atarracarem ali, além de feio, seria um desastre.

Mas enfim uma concessão mútua põe fim ao impasse. Adão Amorim propõe:

- Eu saio da frente e deixo o senhor passar.
- Muito bem (falou o padre)
- Mas o senhor vai ter que amarrar uma corda a cintura, para qualquer eventualidade.

Para que a situação não se alongasse ainda mais; e, para evitar um outro debate e também para não ganhar a pecha de teimoso, debaixo daquele sol que cada vez mais escaldava a moleira... O padre considerou uma meia dúzia de curiosos que ali se ajuntaram e então, para que aquilo não virasse um espetáculo, com o aumento da plateia de curiosos, erguendo os braços, permitiu que Adão Amorim o amarrasse.

Devidamente amarrado com a corda em volta do abdômen, de batina preta, Padre Newton começou a percorrer a distância entre as duas torres, por cima do paredão, e ao chegar na metade do caminho, onde seria colocada a cruz da fachada, exclamou abrindo os braços em direção ao mestre Adão:

- Não te disse que eu conseguia equilibrar-me?

Ocorre que nesse movimento feito na direção de Adão, o padre olhou rapidamente para baixo e não se sabe se por uma tontura, ou talvez por medo da altura; mas ao soprar do vento, que esvoaçou sua batina, desequilibrou-se de tal forma que só não se arrebentou no chão porque, graças a relutância de Adão Amorim, ficara dependurado pela corda, qual pêndulo de relógio, balançando de um lado para outro ao sabor do vento.

Após alguns minutos, depois de incontidos risos de todos que presenciarem aquela cena pitoresca, é que Adão Amorim começou a folgar a corda até que o padre tocasse o chão.

-Eu não avisei? A obediência é santa, a teimosa não – disse Adão Amorim aquele jovem padre.

Assim, surgia naquele instante uma grande amizade para toda vida, que ainda hoje nos dá essa sapiente lição: Devemos confiar em Deus, porém jamais abandonar-nos a própria sorte.

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P.S: Padre newton foi um pinheirense além de seu tempo. Visionário, fez o futuro acontecer no presente. Nascido em 31 de julho de 1905, na fazenda Realeza, no Gama, quando Pinheiro ainda era Freguesia de Santo Inácio do Pinheiro, faleceu em 31 de janeiro de 1952 na mesma cidade.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

UMA ODE À DEFESA DA LIBERDADE

“O homem livre é senhor da sua vontade e escravo somente da sua consciência.” (Aristóteles)

Há 80 anos, no dia 6 de janeiro, Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos da América, por sinal o que mais tempo já passou no cargo – quatro mandatos – proferiu um discurso sobre o Estado da União, o qual passou para a história como o Discurso das Quatro Liberdades, que se encontram gravadas em seu memorial em Washington, tendo o conceito dessas liberdades influenciado bastante na Carta das Nações Unidas, que deságua na criação da ONU, bem como influenciou categoricamente, em 1948, na redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Franklim Roosevelt, antes de ser político era advogado, habilidoso por sinal, e proferiu o Discurso das Quatro Liberdades no Congresso Norte Americano em um cenário político internacionalmente tenso, dando enfoque à segurança nacional, posta como elemento essencial às garantias das liberdades defendidas; é tanto que no mesmo ano de 1941, apenas 11 meses depois do discurso, sobreveio a declaração de guerra ao Japão, após o ataque militar a base americana de Pearl Harbor, cujos desdobramentos ensejaram a terrível Segunda Guerra Mundial.

Nas quatro liberdades defendidas em seu discurso, Roosevelt lançou as bases dos direitos humanos essenciais, tratam-se de liberdades individuais que devem ser inerentes a cada indivíduo e oportunizada pelo Estado: a primeira é a liberdade de expressão; a segunda é a liberdade religiosa; a terceira é a liberdade de viver sem penúria ou de ter o mínimo necessário para viver; a quarta é a liberdade de viver sem medo, ou seja ter viver em paz, sem guerra.

No que tange a quarta liberdade, a sua instrumentalização ou seu surgimento implica em uma redução mundial de armamentos de tal forma que nenhuma nação esteva em situação bélica vantajosa capaz de perpetrar um ato de agressão física contra qualquer vizinho, em qualquer local do mundo, sem que tenha qualquer nação capaz de conter a agressão com poder bélico equivalente. Neste particular, abro um parênteses para falar de Enéas Carneiro, médico cardiologista e político brasileiro que defendia que cada pais tivesse uma bomba atômica, pois a medida que as nações possuíssem tal armamento, o dialogo seria muito mais fluente e usado a exaustão antes da força, haja vista o receio de qualquer reprimenda bélica.

Na divisa de antônimos é que se compreende o valor das coisas. Este pensamento particular, fruto de minhas experiências tímidas de vida, criaram em mim e para mim, uma certeza que ainda não foi abalada em seus fundamentos:  a essência é o que faz magnas as coisas. Dito isto, a compreensão da liberdade se faz de modo mais apurado quando, feitos espelhos, nos ocupamos do reflexo invertido, ou seja, das privações e prisões, as quais são muitas e diversas.

Se o discurso de Franklin Roosevelt, no que tange as liberdades defendidas, era utópico ou não, penso que os horrores da Segunda Guerra Mundial, com todos os piores adjetivos de crueldade, bastam a demonstração de que pouco importa se estava certo ou não, o fato é que a liberdade, na forma mais plena do significado que essa palavra sugere, é um desejo alado que acompanha a humanidade desde sempre; e, a realização desse desejo requer a instrumentalização de meios e condições que tem impelido o homem nas mais desafiadoras empreitadas, sobremaneira quando é privado das liberdades mais naturais e inerentes a todos os da espécie humana.

Um ponto é elementar: a consciência e o livre arbítrio, feitos acelerador e freio que se alternam num justo equilíbrio que possibilite a liberdade, asas para um voo livre de limitações, mas com diretrizes bem delimitadas, sem as quais torna-se libertinagem que na euforia de voar ignora: mais importante que a altitude e a velocidade é a direção do voo. Apesar do livre arbítrio ser um indicador de liberdade, é muito mais da consciência que Ela – a liberdade – se sustenta e floresce, sendo escravidão no Brasil um clássico exemplo disto, da luta de poetas, políticos, religiosos e dos próprios escravos que tolhidos do livre arbítrio não renunciaram a consciência da liberdade de seres humanos que são, exprimindo-a nas artes e na cultura até o dia em que o livre arbítrio foi positivado na Lei Áurea.

Com efeito, é possível sofrer pressões externas emergentes das mais variadas situações, contudo os anseios d’alma são indiferentes a tanto, encontram-se em um patamar elevado, protegidos pela berlinda da esperança que, em seus suspiros profundos, chancela a possibilidade de sonhar, que é o sublime penhor de viver, talvez porque no ato de sonhar a centelha da liberdade é uma primavera sem fim e, por isso mesmo, o sonho de ser livre sempre nutriu as mais esperançosas lutas por dias melhores.

Para não ficar-se apenas no sonho e nos desdobramentos de inúmeras quimeras humanas, aponto de concreto, a Inconfidência Mineira e seu expoente maior, Joaquim José da Silva Xavier, mártir da liberdade; e desse movimento, para encerrar esta reflexão, aponto dois desdobramentos: a bandeira mineira e o Romanceiro da Inconfidência e de cada um extraio as expressões alimentam a consciência sem a qual o livre arbítrio se torna libertinagem. Da bandeira: “LIBERTAS QUAE SERA TAMEN”; do Romanceiro e o lirismo de Cecília Meireles: "Liberdade, essa palavra/ que o sonho humano alimenta,/ que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda".