Espelhar é um verbo, por assim dizer, translúcido; tanto
mais reflexivo quanto os reflexos que projeta, ao clarão da luz, qualquer espelho.
E o que é um espelho ?! Vidro com uma película de prata em um dos lados.
Ninguém estranha ou se escandaliza com o fato do espelho
retratar inversamente as coisas que se colocam à sua frente: o direito torna-se
esquerdo, tudo fica invertido e o vice-versa passa a ter uma nova dimensão. A linguagem o vice-versa indica alteração à ordem que não prejudica a essência, mas no espelho a essência do verso, do anverso e do reverso projetam na existência sentidos
e razões de uma singular e extraordinária causa que se imprime no ser das
coisas.
Com efeito, antes de ser vidro, o espelho era areia – grão de areia turvo – aquecida em altas e escaldantes temperaturas, até perder a cor, a consistência, a essência enfim, para tornar-se vidro transparente ou, por vezes, translúcido. Porém... perder a essência não é possível, tampouco deixar-se de ser o que se é par transmutar-se em algo diverso, pois a metamorfose só acontece porque lá no fundo do âmago do ser, já existe em potência aquilo que, pela transmutação, apenas externa algo adormecido.
Contradição das contradições, o grão de areia, mero pó, feito vidro transparente, translúcido como o dia ensolarado; matéria prima do espelho, feito cativeiro onde habita a essência do vice-versa nas matizes do espelhar, onde outro grão de areia, feito ser humano, vai se olhar refletido, quase sempre iluminado pelo clarão da ignorância e da insensibilidade de perceber que ambos – ele e o espelho – são grãos de areia em estados diferentes.
A palavra ROMA e tudo que remete se mirou no espelho e viu
da inversão de direita e esquerda o surgimento do AMOR e vice-versa, nesse
baile de contrastes onde a essência perpassa o que é contrário para responder
as questões mais intrigantes com a singela de um espelhar que, de modo simplório,
aponta para o reverso na pedagógica lição de nos antagonismos, sobretudo
estrutural das mais diversas conjunturas, para desvendar as mais complexas
realidades a partir do deslinde do reverso.
E assim contempla-se o caule da mangueira tão rígido e espeço
para sustentar mangas inversamente desproporcionais a copa de seus ramos e folhas;
a melancia em seu gigantesco tamanho em relação
a frágil espessura do caule que a nutre e faz crescer. Mas o deslinde do reverso vai além e também ele para ser compreendido tem que ser espelhado
No espelho, a película de prata, em um dos lados do vidro, muito mais que chamar atenção para o valor do metal nobre, consiste na sua razão de ser, pois é o que permite as condições do refletir e projetar aos olhos de quem lhe olha a própria imagem; e, isto, quer demostrar a necessidade de cultivar em si valores nobres capazes de refletir, na consciência, aquela amplitude de compreensão de que somos o que somos, independentemente de como nos olhos, pois qual espelho, o que projetamos ou classificamos em outrem é apenas uma imagem trocada e invertida de nós mesmos, porque iludisse quem pensa que apenas nos temos reflexo: o espelho também se reflete na pupila de nossos olhos, do que decorre que nossos olhos também são um espelho.
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