Discurso proferido no Salão Nobre da Usina de Ideias.
ACADEMIA PINHEIRENSE DE LETRAS ARTES E CIÊNCIAS - APLAC
SESSÃO SOLENE
DE POSSE ACADÊMICA DA CADEIRA 35
PATRONO ADÃO DA
COSTA AMORIM
PINHEIRO-MA, 19
DE NOVEMBRO DE 2014
DISCURSO DE
POSSE
ORAÇÃO ÀS LUZES
Ilma. Sra.
Joana Bittencourt, Acadêmica Presidente da APLAC.
Distintas
autoridades civis e religiosas aqui presentes,
Meus queridos
familiares e parentes de coração,
Caríssimos
amigos que me prestigiam nesta hora,
Meus augustos
professores aqui presentes,
Estimados
conterrâneos,
Senhoras e senhores.
Academia
Pinheirense de Letras Artes e Ciências, casa de luzes, usina de idéias,
trampolim da imortalidade.
A alegria
luminosa que me assalta neste momento é tamanha que o fulgor de sua intensidade
faz sombra ao sol de minha existência de maneira que já não sei se deveria
dizer boa noite, boa tarde ou bom dia. Sendo assim, queiram-me dar a liberdade
de saudar-vos com um modo diferente de tratamento, desejando-lhes
“luminosidade”. Pois bem, luminosidade a todos!
O Deus da vida,
deus da minha fé e convicção, providente em seus desígnios, infinito em
sabedoria, magnânimo em bondade... Ele que é a quintessência do belo, imutável
em sua integridade... Olhou para indigência de minhas limitações, na debilidade
de minhas forças soprou a brisa da sua graça e sustentou meus passos
vacilantes; fermentou minha existência com a esperança que me fez colher rosas
em meio a espinhos, encontrar porto seguro em meio aos naufrágios, solitários,
de meu Eu no insondável oceano das vicissitudes a que todos estamos
suscetíveis; fez-me encontrar na fraqueza a força necessária para galgar os
horizontes que descortinou a minha frente, com o penhor da sombra de sua
proteção, para que eu os explorasse e pudesse chegar até aqui e daqui para até
onde Ele quiser. Com a permissão Dele – que nos fez todos à sua semelhança,
este é meu credo – nasci pinheirense, tornei-me Maurício e me fiz Alusuras.
Sob os
auspícios de uma profecia
Também chego a
está confraria sob os auspícios de uma profecia. Em 2008, quando nem se
cogitava que a Academia viesse a ter Adão da Costa Amorim por patrono de uma de
suas cadeiras, recebi o primeiro voto para meu ingresso nesta casa; foi um voto
de confiança que em mim aflorou a vontade de subir a estes píncaros para
assentar-me com os luminares deste cenáculo do diletantismo e, aqui estando,
medito o dizer de José Sarney quando ingressou na Casa de Machado de Assis:
“aqui estou eu, menor do que todos e maior que eu mesmo”.
Na verdade era
uma profecia, nascida de uma amizade, que embora se sublime neste dia, para mim
se mostrou aquela ocasião como uma quimera distante de um porvir deveras remoto
e inatingível, mas que hoje mostra-me de maneira muito eloquente o poder da
palavra.
Tudo ficou
imortalizado em duas pequenas folhas de papel onde o carinho de uma amizade fez
florir palavras gentis impregnadas de fé. Adiante narro alguns trechos dessa
missiva que para mim é relíquia de amizade.
04 de setembro
de 2008
Prezado
Mauricio.
Fiquei surpresa
e feliz com a sua cartinha. Saiba que sou conhecida por Cici. Só em documento
que me assino por Aurelina Catarina Amorim. Não tenha, portanto, acanhamento em
me tratar por Cici. Não reprovo, pelo contrário, gosto.
(...) Quanto à
APLAC (Academia Pinheirense de Letras Ciências e Artes) em novembro irá
completar dois anos de fundação. A propósito, no dia 27 p.p. ingressou na APLAC
como membro efetivo o Dr. Ribamar Castro, juiz de Direito da Magistratura
maranhense, pinheirense e ex-aluno do C.P. A sua vez, chegará.
(...) Obrigada
pelas palavras amigas e um grande abraço com a minha oração.
Da amiga
Cici Amorim.
A profecia se
realizou. A minha vez chegou! Infelizmente a minha profetisa deixou-nos em 29
de maio de 2014, alguns dias após a escolha de Adão da Costa Amorim, seu pai,
para patrono da cadeira que ocuparei. Portanto, inenarrável foi e é a emoção
que experimentei naquela tarde de 27 de setembro de 2014 quando recebi a
notícia de minha eleição.
No dia
seguinte, sob a pujança daquela emoção de um misto de alegria e nostalgia,
dirigi-me pela manhã até o Cemitério Santo Inácio e diante do túmulo da família
Amorim, na prece de um silêncio tinha latente na mente a personalidade e as
palavras de dona Cici: a sua vez chegará! E assim brotou uma profunda admiração
à pessoa do patrono desta cátedra, afinal, “não se colhem figos dos
espinheiros, nem se vindimam uvas dos abrolhos”, já ensina o Evangelho.
Ao som do
silêncio
Naquele
instante em que estava naquela cidade que é a última morada terena do homem,
também floresceu uma enorme saudade, que dilacerava o peito, à medida que
prossegui meu caminhar cemitério adentro fazendo pontuais paradas diante
daqueles túmulos onde jazem meus antepassados, sobremaneira minha querida
Judith, a maior patrocinadora dos louros que hoje colho e à minha mente veio a
lembrança de que a Academia de Platão, modelo inspirador das modernas
academias, surgiu dentro de um cemitério e cresceu a partir dos exemplos dos
heróis cuja lembrança seus túmulos sugeriam, e então respirei fundo, outra vez,
e prestei continência de saudade aos meus heróis familiares que hoje estão no
plano do invisível, todavia presentes na corporeidade do pulsar de meu coração.
A minha vez
chegou! E na solidão de mim mesmo sai para o peitoril de meu Eu e envolto
naquele silêncio, que aos cemitérios convém, desfiz-me dos olhos corpóreos para
enxergar com o coração na solidão de seu pulsar. Logo, vi ganhar vida as
palavras de Konstantino Kaváfis[1] presente nesta
beleza de ensinamento:
Os solitários
contemplativos vêem coisas que nós não vemos: tem visões do mundo sobrenatural.
Apuram a alma na solidão, na meditação e na continência, enquanto nós a
embotamos no convívio mundano na ausência de meditações e nos prazeres. Por
isso eles vêem o que não conseguimos ver. Quando se está em um aposento
silencioso, ouve-se claramente o tique-taque do relógio. Mas quando outrem
entra ali e começa a falar a mover-se, deixa-se de ouvi-lo. Mas o tique-taque
continua acessível à audição.
Aqui deixo uma
advertência: a ousadia dos maus cresce com o silêncio dos bons (Leão XIII). O
silêncio é magnânimo e salutar e, portanto, deve ser cultivado e conservado qual
oásis desde que não seja omisso e covarde, pois sua nobreza repousa no fato de
mesmo sem palavras, por vezes, ressoar valentia e altivez que despreza o que
não convém e isto dona Cici fazia muito bem.
No silêncio
existencial de minhas contemplações ao menos três acadêmicos se fazem presente
neste recinto, no plano da invisibilidade, através da lembrança e significância
daquilo que foram e que, através da saudade, ainda o são, a saber: dona Cici,
modelo de abnegação naquilo que fazia, meu saudoso amigo Napoleão Cardoso que
muito me incentivou e dona Moema de Castro Alvim – com quem no Papiros do Egito
as horas voavam em meio a colóquios de conterrâneos – que há trinta e três dias
foi se juntar aqueles acadêmicos que lá do infinito estão a advogar junto de
Deus para que a APLAC nunca falte aquela centelha divina do talento criativo e
inspirador que da significância ao enigma de Ser que é a vida.
Adão da Costa
Amorim, patrono da cadeira 35 da APLAC, como defini-lo? Com os olhos da emoção,
o antevejo em suas virtudes e fixo na mente a figura inoxidável de dona Cici: o
carisma e exemplo de vida dela são credenciais que desnudam o quilate da
dignidade daquele. Afinal, a sabedoria popular de nossa pinheirensidade já diz
“casa de pai escola de filho”.
Um poeta do cal
e do plumo
A torre da
Matriz, em nota vária
Dos céus azuis
brilhando à clara luz
Relembra que
és, Pinheiro centenária,
Esplêndido
torrão de Santa Cruz
Vive Pinheiro,
ainda,
Nos séculos,
Rainha,
Rica, gloriosa
e linda
Em teu verde
esplendor
Triunfas sempre
altiva,
No pelejar da
vida
E na tua gente
viva
Nobre e fecundo
amor!
(Estrofes do
Hino de Pinheiro. Autoria Pe. Pedro Tidei. M.S.C)
Toda história
de vida possui dois extremos: início e fim; entre os mesmos encontra-se a
trajetória de alguém, a qual por vezes extrapola os limites da finitude
corpórea, já que o homem é fruto dos ideiais vislumbrados, pois é aquilo crer,
realiza e luta, haja vista que nisso imprime sua marca e se faz singular na
pluralidade da humanidade.
“Aquilo que
terás feito de tua vida, veremos no exato momento em que a perderás”. Assim
dizia Sêneca, filósofo e também advogado da Roma Antiga, e sob os auspícios
deste modo de pensar, justifica-se que uma abordagem sobre a personalidade de
Adão Amorim evoque a estrofe do Hino de Pinheiro que enaltece a torre da Igreja
Matriz, hoje Catedral, de Santo Inácio de Loyola. Nela (na torre da Matriz)
está sintetizado, de modo todo belo e singular, a um só tempo, aquilo que creu
e o que realizou. Explico.
Adão da Costa
Amorim, nasceu em Cururupu-MA, aos 09 de junho de 1894 e, com 18 anos de idade,
mudou-se para a Cidade Pinheiro-MA (na época ainda Vila) onde aprendeu o ofício
de pedreiro com Mestre Antônio Belém. Na qualidade de auxiliar deste, aquele
reformou a antiga Capela de Santo Inácio de Loyola, ampliando-a e
acrescentando-lhe os arcos internos (extintos em 1989 para dar mais espaço para
colocação de bancos aos fieis), bem como construiu as duas belíssimas e
majestosas torres que serviram de inspiração ao Pe. Pedro Tidei quando compôs o
Hino Municipal de Pinheiro-MA, na década de 1970, quando Adão Amorim já havia
falecido.
De fato, era um
verdadeiro artista e o legado de seu trabalho é a beleza arquitetônica de
alguns prédios edificados sobre o solo pinheirense. Depois de aproximademente
cinco anos de aprendizagem do Ofício de Pedreiro com Mestre Belém, reuniu
vários aprendizes em torno de si e dedicou-se a profissão que abraçara com
muita devoção, a qual responsável pelo excelente resultado que alcançava ao
final de cada obra. Em razão disso, malgrado não fosse engenheiro, é fato que
tinha noções de engenharia e, não por menos, recebeu do povo pinheirense a
alcunha de Mestre do Oficio de pedreiro (mestre de obra), pelo que era por
todos conhecido como “Mestre Adão”.
Portanto, na
torre da Matriz está bem nítido não só a fé que em vida professou Adão Amorim,
como também a profissão que abraçou e que desempenhou com grande esmero,
maestria e talento, dando as edificações um acabamento todo especial que as
transformava em verdadeiras obras de arte: pura poesia em cal e tijolos.
Prova do que
ora se aduz são os mais belos prédios (exterior e interiormente) existentes na
cidade de Pinheiro, remanescentes do século XX; todos construídos pelo Mestre
Adão dos quais se menciona: a Cúria Diocesana (Antigo Patronato São Tarcisio);
a residência episcopal; o prédio que hoje sedia o SEBRAE, a residência dos
padres italianos Missionários do Sagrado Coração e o prédio em que hoje esta
instalada a Vara Trabalhista de Pinheiro-MA.
Na cidade de Pinheiro
o senhor Adão Amorim constituiu família. Casou-se com a senhorita Odete Durans
e tornou-se pai de onze filhos, a saber: Euribícebes, Adalberto, João, Orzete,
Cremilda, Carmerinda, Geny, Marta, Aurelina Catarina (Cici), Joana (joanita) e
Raimunda (Neném).
Homem probo e
honrado, sempre gozou de respeito por parte de seus contemporâneos. Pai
abnegado e dedicado reverteu todo suor do labor de seu ofício em proveito da
família, esforçando-se ao máximo, de maneira que ofereceu aos filhos o melhor
possível, sobretudo no que se referia à educação, razão pela qual todos foram
educados com os sólidos valores cristãos e com o curso primário (que era o que
Pinheiro-MA possuía de melhor àquela época). Assim, os filhos, seguindo o
exemplo paterno, cultivaram valores e virtudes que os tornaram, a semelhança do
pai, pessoas de bem.
Destarte, não é
difícil compreender por que Adão Amorim foi eleito vereador da Câmara Municipal
de Pinheiro. Outrossim, a sua atividade legislativa foi assinalada pela
responsabilidade e respeito, pela defesa dos interesses sociais, religiosos,
educacionais e econômicos do povo pinheirense, do qual se tornou parte.
Com a criação
da Prelazia de Pinheiro, em 1939; a chegada dos padres italianos Missionários
do Sagrado Coração, em 1946; veio ao lume a Escola Paroquial Nossa Senhora do
Sagrado Coração que desaguou, em 1953, na criação do Colégio (ginásio)
Pinheirense e com ele a oportunidade dos pinheirenses se aperfeiçoarem. Mestre
Adão Amorim, por sua vez, não mediu esforços para oferecer a sua família os
benefícios advindos da criação do referido colégio e, assim, as suas filhas
Cici e Neném, sentido inclinação ao magistério, tornaram-se professoras
normalistas, respectivamente das disciplinas de português e matemática do
aludido colégio.
Aos 18 dias do
mês de junho do ano de 1966, na sua residência localizada à Rua Inácio
Pinheiro, nº 21, Bairro da Matriz, debaixo do céu pinheirense, Mestre Adão
deixou este plano da visibilidade corpórea rodeado pelos seus que tanto amou.
Seu corpo foi sepultado no Cemitério Santo Inácio, em Pinheiro-MA, sob o
respeito e profunda consternação dos pinheirenses.
Em razão do seu
exemplo de vida pautado na mais austera e profunda dignidade, honradez e tendo
em vista os relevantes serviços e a dedicação para com o progresso da cidade de
Pinheiro, o legislativo municipal, fazendo justiça, imortalizou a memória de
Adão Amorim apostando seu nome a rua que tangencia a casa em que este viveu,
educou seus filhos e morreu. Outrossim, a Academia Pinheirense de Letras e
Ciências – APLAC, convencida dos méritos e das virtudes deste o elegeu patrono
da cadeira de número 35 do quadro de membros titulares, a qual tenho a honra de
ser primeiro ocupante.
Brisas da
visibilidade do invisível
Sob os
auspícios do patrocínio de meu glorioso Santo Inácio de Loyola, a intercessão
da Virgem Maria sob o título de Senhora do Sagrado Coração de Jesus e a bênção
copiosa e pródiga do Deus de minha confiança... O ímpeto das alvíssaras que
motivaram meus passos e o sortilégio dos dias que me foram concedidos e que eu
vivi – entre elegias e lágrimas sentidas de tristezas profundas e odes de
sorrisos silenciosos de alegrias imensas – fizeram-me vislumbrar nada além do
previsível, tampouco abaixo do impossível.
Aqui não é o
infinito, porém aqui, através das letras, artes e ciências, o mesmo se dilata
em sua já incomensurável vastidão e se coloca de prontidão, qual anfitrião, a
dar as boas vindas ao efêmero e ao eterno que, em colóquio sincero de elegância
e gentileza, proferem solenemente as “sutilezas da leveza do suspenso” e
projetam, entre o tudo e o nada, a delgada e tênue ponte que, ao tangenciar o
intangível, entrelaça as duas extremidades do insondável milagre da vida com a
pujança das potencialidades que a dimensão imaterial do Ser proporciona a
materialidade, tudo sob o pálio da invisibilidade a orquestrar o silêncio que
vigora.
Antoine de
Saint-Exupéry, por sinal, na magistral obra “O Pequeno Príncipe”, num arroubo
de sua sensibilidade – própria de quem concebeu a clara idade do discernimento
que permite contemplar o invisível – legou-nos uma grande lição: “só se vê bem
com o coração, o essencial é invisível aos olhos”! De fato, com coração
enxergamos o infinito e diante do esplêndido, já dizia o poeta, tudo se cala e
emudece, pois o encantamento deslumbra. No secreto pulsar do coração, o
encantamento se sublima em silêncio e ganha uma sonoridade de acordes
vibrantes, cujas cifras só ao silêncio é dado conceber.
Tenho
consciência de que compreender este mister não é algo que se possa dizer ou
classificar como tarefa simples e, ainda hoje, para mim também não o é, muito
embora comungue da ideia que determinadas coisas devem ser sentidas em virtude
da sua compreensão tornar desnecessária qualquer tentativa de explicação, pois
ainda que feita da forma mais esclarecedora possível não tem a eloquência, nem
promove ao intelecto aquela satisfação que o simples sentir proporciona, o qual
dispensa as palavras pronunciadas para falar através do murmúrio silencioso do
indizível.
As razões do secreto pulsar do coração
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa
qualquer entendimento. (Clarice Lispector)
Talvez – e isto
já espero – ao externar estes pontos de vista esteja sendo tido por louco, ou
na melhor das hipóteses, um ébrio que tendo as faculdades mentais um tanto
quanto conturbadas faz confusões entre o real e o imaginário. Antes, porém,
peço licença para esclarecer que a loucura para mim não é algo de todo ruim e,
neste particular, chamo a atenção para a necessidade de em tudo ver o lado
positivo, até na maior das negatividades.
Jesus Cristo
aconselhava seus discípulos: sede mansos como as pombas e prudentes como as
serpentes. Ora, até nas serpentes Cristo viu qualidades, por que então não
buscar positividades em meio aquilo que, a primeira vista, parece, de todo,
negativo? Ninguém se olvide, é sempre bom ter em mente o valioso ensinamento de
Santo Agostinho: a arte de viver bem consiste em retirar do maio mal o maior
bem.
É preciso
transcender a habitualidade hodierna da matéria para libertar a alma – imortal
na essência – da debilidade própria do que é corpóreo e que pertencendo a
materialidade deste mundo, finito em sua essência, sujeita-se tanto a morte,
como causa uma visão embaçada que transmutada em miopia existencial, priva da
vista de horizontes largos.
A racionalidade
do coração, a mais nobre e salutar de todas, por vezes é entendida como paixão
e a esta é reduzida e resumida, o que é lamentável. Não obstante, de Voltarie
fica a lição: as paixões são com os ventos que inflam as velas do barco, pode
até que o naufraguem, mas sem eles navegar é impossível.
O coração é órgão
do sétimo sentido do gênero humano – sublimação – que congrega a intuição, a
audição, o tato, o paladar, o olfato e a visão de maneira tal que os aprimora
elevando-os ao cubo temporal da existência – presente, passado e futuro – cujo
resultado implica o esforço necessário para transpor os abismos de incertezas,
os oceanos revoltos de intempéries que em suas ondas não raro objetivam
naufragar sonhos; tudo para, ao final, sublimar a existência pela significação
que a ela atribuir-se-á.
Nunca é demais
professar este dogma de fé e convicção: o coração é sacrário visível da
centelha invisível da alma. Corolário deste credo é o ensinamento legado por
Rui Barbosa[2] – patrono da
Advocacia Brasileira – na sua Oração aos Moços:
(...) o coração
não é tão frívolo, tão exterior, tão carnal quanto se cuida. Há, nele, mais que
um assombro fisiológico: um prodígio moral. É o órgão da fé, o órgão da
esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d’alma, o que não vêem
os do corpo. Vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível, e até no infinito
vê. Onde pára o cérebro de ver, outorgou−lhe o Senhor que ainda veja; e não se
sabe até onde. Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se perdem
os surtos da poesia, até onde se somem os vôos da crença: até Deus mesmo,
inviso como os panoramas íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a
todos nós presente, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da
vida e da nobreza e da bondade humana.
Quando ele já
não estende o raio visual pelo horizonte do invisível, quando sua visão tem por
limite a do nervo óptico, é que o coração, já esclerótico, ou degenerescente, e
saturado nos resíduos de uma vida gasta no mal, apenas oscila mecanicamente no
interior do arcaboiço, como pêndula de relógio abandonado, que agita, com as
derradeiras pancadas, os vermes e a poeira da caixa. Dele se retirou a centelha
divina.
Chego a está
Academia trazido pelo meu coração e, com a “insana-lucidez” de meus tímidos
anos de vida, cruzo os umbrais desta confraria sob a chancela da vontade
soberana de seus membros, que me outorgam a credencial que emana do desejo de
convivência, o qual no ato da minha escolha ganhou vida.
Certa feita, o
célebre matemático Pascoal, no apogeu de sua erudição, afirmou: “o coração tem
razões que a própria desconhece”. E é com o coração que agora sinto e vivo este
instante-eterno e na sorrateira alegria que se me assalta pela distinção de
cruzar a soleira deste sodalício… Fecho os olhos corpóreos na efusão desta
emoção para abrir os olhos da alma... Enxergar com o coração! E com ele venho,
à vossa presença senhora acadêmica presidente, pedir vênia para dedicar este
momento, do âmago de minh’alma, a “JULIETA FERREIRA PEREIRA” (Judith), minha
avó do coração! Sinônimo de saudade, melhor definição de bondade que já
conheci; sempre esteve ao meu lado e hoje, da eternidade, continua a acompanhar-me
de modo invisível, porém constante.
Quero dedicar
também a singularidade da emoção deste momento, aos meus pais, Manoel e Maria e
aos meus irmãos Maurílio e Mauriely, aqui presentes, e a minha esposa Adriana
Lilia; as minhas duas Cecílias: a filha pequenina, que muito me enche de
alegria, e a bisavó, na eternidade, que para mim é constante motivo de imensa
saudade. Quero ainda dedicar as memórias de Pe. Pedro Paulo Sambalino, meu
saudoso padrinho, e Júlio Theodorico Alves, meu avô paterno, que para mim
sempre profetizou sucesso nas bênçãos que me dava, ambos lembranças risonhas
que o tempo é incapaz de apagar.
Realmente, a
escolha de um acadêmico é muito mais um desejo de convivência que propriamente
um julgamento sobre a pessoa e o trabalho do candidato e prova disto sou eu.
Não que minha pessoa não seja digna ou o trabalho que desenvolvo não seja
consistente, porém a julgar pela minha idade, certamente que outros mais
experientes que eu nas letras, nas artes e nas ciências teriam mais propriedade
para desposar a cadeira até então nunca ocupada. Entretanto, a vossa benigna
vontade escolheu a mim, num gesto de grande generosidade.
Em retribuição,
para o engrandecimento desta Academia não trago livros – embora já tenha
concebido alguns que ainda não publiquei – tampouco feitos grandiosos; trago
apenas meu imperfeito coração, o qual não é o mais nobre do mundo, todavia
aspira poesia e o propósito de se lapidar, pela poesia, através de conhecimento
que engrandeça o gênero humano, um conhecimento que não se restrinja apenas ao
cientificismo, mas que promova a sabedoria que, por sua vez, alberga desde a
instrução sofisticada das universidades até o empirismo simplório do homem
médio desprovido de qualquer comprovação metódica, mas que, não raro, intriga a
ciência com seus bem-sucedidos resultados, os quais no mais das vezes sem
qualquer explicação.
É inescusável,
o senso empírico tem e deve ter reconhecido o crédito do conhecimento por ele
formulado, o que não afasta a necessidade de crédito e validade ao conhecimento
advindo do cientificismo experimental. É valido dizer que, nesta esteira de
pensar, ao menos no meu sentir, ocorre uma simbiose em que ambos os conhecimentos
se somam, se validam, interagem, se integram impulsionando um processo maior
que deve ter por escopo o fomento e promoção do bem e do que é bom, prestando
reverência ao bem e ao bom em todas as etapas de suas formulações.
Em igual
compasso, não se pode perder de vista que a vastidão infinita das interrogações
inerentes à própria natureza das coisas em si, e por si, é suficiente para não
limitar a formulação do conhecimento somente através dos métodos empíricos e
experimentais, muito embora sejam estes dotados de um grau de precisão elevado
sob o prisma da aceitação, baseada nos parâmetros estabelecidos na
contemporaneidade que, por sua vez, caminha de mãos dadas, ou melhor, prima por
resultados, não raro, imediatos e acima de tudo visíveis, palpáveis.
Caríssimos
confrades, com meu coração, relicário de minha identidade, trago minh’alma e
alguns poucos talentos (indômitos e adormecidos) com os quais fui enviado a
está dimensão transitória do Existir e de cujas potencialidades, espero,
através do convívio convosco, desbravar cada vez mais e assim habilitar-me a
convosco percorrer a tangente do infinito e quem sabe vislumbrar o horizonte da
imortalidade.
No vôo das asas da jaçanã a realeza de uma princesa
e a dignidade de seus súditos
A leveza própria das coisas suspensas – portanto
voltadas as coisas do alto – a enamorar o fascínio que emudece, com a
delicadeza extremada de um esmero singular que brota do equilíbrio que
arquiteta uma simplicidade requintada… Eis o que me ocorre a visão do bater das
asas da jaçanã (ave de nossos campos), abertas em colorido augusto, no rasante
de vôos largos, entre o céu pinheirense e as águas do Pericumã, ao alvorecer de
cada manhã. Nisto contemplo uma metáfora que proclama, em parte, a identidade
do jeito de ser pinheirense.
Pinheiro, Princesa da Baixada, cidade de Verdes
Campos! Lugar das águas, das chapadas, de babaçuais. Em Pinheiro meus pulmões
se purificam com os ares da fraternidade que congrega cada pinheirense em uma
só família e essa gente é a maior riqueza deste torrão. Esse povo que desbrava
seus limites e na peleja diária não se verga ante as dificuldades; é valente,
amansador de gado; povo aguerrido que do suor de seu trabalho faz a terra dar
frutos em roças de arroz, de milho, de mandioca, macaxeira, etc.
Um povo que enfrenta as intempéries e madruga no
Pericumã – esgrimas da paciência e temperança – pescando de malhadeira,
ganzepe, peraqueira, caniço; povo que não enjeita um bagre, a piaba e a
jabiraca com chibé de farinha – talvez por isso tenha tanta vitalidade; povo
sábio que no equilibrismo existencial descobre as medidas com as quais sopesa
alegrias e tristezas, venturas e desventuras, sucessos e infortúnios sem perder
a picardia e alegria de viver e sem jamais esquecer de Deus, de ser solidário, sobretudo
nas horas de amargor, com aquela consideração que estende a mão para ajudar e
oferta o ombro amigo.
Nesta terra a raiz de minha ancestralidade esta
fincada e é alicerce de mim mesmo. Todavia Pinheiro não é uma cidade dessas que
se possa apontar no mapa, pois habita na topografia do coração de cada filho
seu; pode-se sair de Pinheiro, mas Pinheiro não sai da gente.
Quando o mundo, perdido nas incertezas do niilismo
e submergido nas trevas da discórdia, tingia o chão com o sangue de muitos,
irrigando um ódio descomunal, principal força motriz que engendrava os horrores
da Segunda Grande Guerra Mundial, nossos avós se neutralizavam desses ares
malignos revertendo suas forças na construção da Matriz de Santo Inácio. Era o
ano de 1939 e prova disto ainda hoje é testemunhado pelo frontispício da Matriz
onde em um período em que a guerra imperava, foi apostado na fachada daquele
templo (pelos operários – entre eles o patrono desta cadeira em que hoje me
assento) um lema de vida e também uma exortação: AD MAIOREM DEI GLORIAM (tudo
para maior glória de Deus).
De fato, a realeza de Pinheiro é sua gente simples,
simplista, rica de folclore, de tradições, de religiosidade, dona de um enorme
coração que pulsa de esperança e faz de cada manhã uma profissão de eternidade
na efemeridade das horas, impregnando no ar essa atmosfera que dá aquela
vivacidade que faz desta terra um lugar especial e inesquecível na poesia em
versos do azul de seu céu, nas estrofes de seus encantos recitadas em seus
ventos e nos poemas de crendices, mistérios declamadas no veio de suas águas
com a pertinaz audácia de se lançar adiante com a sinfonia dos pardais,
bem-te-vis, sabiás e pipiras... Enfim, qual a leveza do caminhar da jacanã
sobre as águas, em passes de sublime bailado que, desafiando a gravidade,
sobrepuja todo fascínio com cadenciado e sincronizado bater de asas, a sugerir
nobreza na singeleza que descortina, do surreal, a maravilha de sonhar e
realizar aquilo que a realidade talvez censure, muita das vezes por apenas crer
não ser possível.
Nas asas das jaçanãs uma quimera, uma poesia de
realismo surreal e uma metáfora de infinito que enamora as sutilezas e agoniza
no suplício dos limites da finitude do Ser, com aquela fragilidade própria do
soprar da brisa, mas que impele na alma aquele vendaval que vasculha o íntimo
na incessante procura de um sentido que signifique as efemérides de existir.
Pinheiro é assim. Um contínuo vôo de jaçanã que se projeta no tempo e no espaço
até findar na imenso-restrito do crepúsculo de existir que serpeia o viver no
lampejo que a serenidade traduz na candura de um suspiro de amor.
Filigrana de
sonhos e do mister de iluminar
Aristóteles no
tratado Órganon[3] disse que
“conhecer a essência de algo é o mesmo que conhecer a sua causa”. Sendo assim,
a APLAC é autêntico relicário da alma pinheirense que se transubstancia em
singular identidade cultural que continuamente se agiganta e renasce no regaço
de cada manhã, ao dobrar dos sinos da Matriz de Santo Inácio, irrigada com a
sorrateira pujança das águas caudalosas do Pericumã: águas portentosas de
poesia e mistérios que verdejam os campos de Pinheiro e imprimem na linha do
horizonte a imponência da “cabeleira do babaçual” a valsarem com os “mansos
ventos da chapada”; águas que transbordam o curso de seu leito para saciarem a
sede física e, pela contemplação do reflexo do céu em se mesmas, submergirem a
alma nas profundezas do insondável de Deus que, no relato do Gênesis, no
princípio pairava sobre as águas!
A julgar pelo
que professa, a APLAC permite-nos dizer, com solidez de certeza dogmática, que
comunga do anseio da lapidação intelectual de seus membros para, com isto,
trabalhar na matéria-prima que é o “tempo atual” em prol de uma evolução
intelectual pautada no compromisso de acender e manter acessa a chama do
conhecimento, da sabedoria e da instrução, como bem sugere o lema que tomou
para si: accendere ut illuminet. (acender para iluminar).
Senhoras e
senhores, penso que iluminar não implica necessariamente brilhar, pois o ato de
iluminar e o de brilhar são coisas distintas; embora ambos caminhem juntos, não
raro, o brilhar transmuta-se em uma exacerbação do ato de iluminar e, portanto,
impõe cautela daquele que se dispõe a iluminar por duas razões: a primeira é a
da responsabilidade de manter acessa sua luminosidade interior e esmerar-se em
fazê-lo com brilhantismo a fim de que dissipe suas próprias trevas; a outra é a
de iluminar e manter seu redor iluminado pelo clarão de uma instrução especial.
Sobre esta instrução especial Arthur Schopenhauer preconizava que “a humildade
e simplicidade são graus extremos de sabedoria”.
Entretanto se
faz inócuo não proporcionar uma luminosidade magna pelo receio de ofuscar ou
mesmo cegar a visão. Neste particular, Santo Agostinho certa feita confessou: “senti
e experimentei não ser para admirar que o pão, tão saboroso ao paladar
saudável, seja enjoativo ao enfermo, e que a luz, amável aos olhos límpidos,
seja odiosa aos olhos doentes”.
Portanto, o ato
de “acender para iluminar”, ao menos penso, deve ter no equilíbrio aquela
sutileza entre iluminar e brilhar para que o brilho venha ao lume como natural
consequência de uma iluminação que traga em seu âmago um fim em si mesma – qual
imperativo categórico kantiano – e que este fim seja o de iluminar de modo acima
de tudo respeitoso, no sentido de não menosprezar quem ainda não possa, por
qualquer razão, vislumbrar o clarão de uma iluminação, já que todos são dotados
de potencial.
Assim, o
brilho, por ser um posterium, não poderá corromper aquele primus da luz e
iluminar será um ato que terá sempre em si mesmo uma vontade boa e a sabedoria
popular ensina: fazer o bem não cates a quem. Assim, não digo que farei um
voto, porém comprometo-me com o propósito de tentar fazer a luz que irradia do
seio desta confraria clarear cada vez mais e quiça extrapolar os limites de
seus umbrais e se projetar nas galáxias do insondável: qual raio de luz que
abri caminhos para serem trilhados pelo porvir.
Com o coração
agradeço a Deus pela alegria deste momento, pela vida que pulsa em minhas veias
e sem a qual nada disto seria possível; agradeço aos meus pais, aos meus
irmãos, a minha esposa e filha por tudo que significam em minha vida; agradeço
também aos confrades Nelson de Jesus Nogueira Nunes, Cesar Castro e dona Maria
da Graça Moreira Leite que avalizaram meu ingresso nesta Academia, estejam
certos que esforçar-me-ei para honrar tamanha confiança; agradeço também a
todos que me elegeram para a cadeira 35.
Não poderia
também encerrar este agradecimento sem antes fazer lembrança de meus
professores que, desde o Jardim da Infância até a Faculdade, cada um a seu
modo, contribuíram para minha lapidação intelectual e não posso também de
maneira alguma deixar de fazer inferência aos meus amigos, a vós deixo… digo um
ensinamento de Santo Agostinho: a metade de nossa alma é um bom amigo.
Às entrelaças
do porvir
Senhoras e
senhores, sob os auspícios de uma profecia atingi os píncaros deste sodalício e
ante a incógnita que é o porvir – jazida em que a posteridade vai garimpar as
gemas sem jaça que no mais das vezes, involuntariamente, são formadas a partir
das pequenas atitudes que edificam o instante (menor particular da eternidade)
que mal nasce morre, quase sempre sem nem ao menos a dimensão das referidas
atitudes ser percebida por seus protagonistas – com outra profecia, nascida do
coração, quero encerrar minha primeira fala com a qual também esta cátedra
agora se inaugura.
Ave Academia,
que tu sejas “eterna enquanto dure” eis a minha prece; “durarás para sempre”
eis minha profecia, a qual proclamo com as insígnias da esperança
transubstanciadas naquela confiança que, trespassando o âmago d’alma com fé
imorredoura, despede nos lábios um impávido amém.
In summa... Ad
infinitum!
Accendere ut
illuminet
Felicidades a todos!
Muito Obrigado,
Mauricio Gomes
Alves
Senhor das
Alusuras
[1] KAVÁFIS,
Konstantinos. Reflexões sobre poesia e ética / Konstantinos Kaváfis - Tradução do grego por José Paulo Paes. São Paulo: Editora Ática, 1998, p.34.
[2]
Barbosa, Rui. Oração aos moços / Rui
Barbosa; edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. – 5. ed. – Rio de Janeiro
: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997, p. 13.
[3] ARISTÓTELES. Órganon. Categorias, Da interpetração.
Analíticos anteriores, Analíticos posteriores, Tópicos, Refutações sofistas /
Aristóteles; tradução, textos adicionais e notas Edison Boni / Bauru, SP:
EDI-PRO, 2005. (Série Clássicos Edipro), p. 314.
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