quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

MENSAGEM NATALINA

O ímpeto do âmago da nobreza do espírito de fraternidade, com as alvíssaras da esperança que ele acalenta e que com a paz se deleita, outra vez anuncia: é natal!
Uma criança vem ao mundo e em meio à dificuldade de conseguir hospedagem, a mãe dá a luz em uma estrebaria e, pelas circunstâncias, coloca o filho numa manjedoura: tudo com muito amor. A simplicidade do acontecimento em si não tira-lhe a magnitude – a essência é o que faz magnas as coisas – e aos corações mais sensíveis, de longínquos séculos ressoa aquele doce choro com o festivo dobrar dos sinos de Belém a proclamar: Cristo nasceu!
Nesta atmosfera de singular significância em que o céu e a terra trocam seus dons e os anjos proclamam “glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”… Desejo um dilúvio de alegrias, séculos de prosperidade e faço votos de que a Luz do Natal – inoxidável por natureza, divina por essência e sublime por beleza – projete nas sombras de nossos passos aquela marca indelével própria dos que gozam da providência divina.
A graça de Deus, que se faz menino, seja fermento em nosso existir.

Muita Paz e Bem. Feliz Natal e Boas Festas!

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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA PINHEIRENSE DE LETRAS

Discurso proferido no Salão Nobre da Usina de Ideias.


ACADEMIA PINHEIRENSE DE LETRAS ARTES E CIÊNCIAS - APLAC
SESSÃO SOLENE DE POSSE ACADÊMICA DA CADEIRA 35
PATRONO ADÃO DA COSTA AMORIM
PINHEIRO-MA, 19 DE NOVEMBRO DE 2014
DISCURSO DE POSSE

ORAÇÃO ÀS LUZES

Ilma. Sra. Joana Bittencourt, Acadêmica Presidente da APLAC.
Distintas autoridades civis e religiosas aqui presentes,
Meus queridos familiares e parentes de coração,
Caríssimos amigos que me prestigiam nesta hora,
Meus augustos professores aqui presentes,
Estimados conterrâneos,
Senhoras e senhores.                                                                         

Academia Pinheirense de Letras Artes e Ciências, casa de luzes, usina de idéias, trampolim da imortalidade.

A alegria luminosa que me assalta neste momento é tamanha que o fulgor de sua intensidade faz sombra ao sol de minha existência de maneira que já não sei se deveria dizer boa noite, boa tarde ou bom dia. Sendo assim, queiram-me dar a liberdade de saudar-vos com um modo diferente de tratamento, desejando-lhes “luminosidade”. Pois bem, luminosidade a todos!

O Deus da vida, deus da minha fé e convicção, providente em seus desígnios, infinito em sabedoria, magnânimo em bondade... Ele que é a quintessência do belo, imutável em sua integridade... Olhou para indigência de minhas limitações, na debilidade de minhas forças soprou a brisa da sua graça e sustentou meus passos vacilantes; fermentou minha existência com a esperança que me fez colher rosas em meio a espinhos, encontrar porto seguro em meio aos naufrágios, solitários, de meu Eu no insondável oceano das vicissitudes a que todos estamos suscetíveis; fez-me encontrar na fraqueza a força necessária para galgar os horizontes que descortinou a minha frente, com o penhor da sombra de sua proteção, para que eu os explorasse e pudesse chegar até aqui e daqui para até onde Ele quiser. Com a permissão Dele – que nos fez todos à sua semelhança, este é meu credo – nasci pinheirense, tornei-me Maurício e me fiz Alusuras.

Sob os auspícios de uma profecia

Também chego a está confraria sob os auspícios de uma profecia. Em 2008, quando nem se cogitava que a Academia viesse a ter Adão da Costa Amorim por patrono de uma de suas cadeiras, recebi o primeiro voto para meu ingresso nesta casa; foi um voto de confiança que em mim aflorou a vontade de subir a estes píncaros para assentar-me com os luminares deste cenáculo do diletantismo e, aqui estando, medito o dizer de José Sarney quando ingressou na Casa de Machado de Assis: “aqui estou eu, menor do que todos e maior que eu mesmo”.

Na verdade era uma profecia, nascida de uma amizade, que embora se sublime neste dia, para mim se mostrou aquela ocasião como uma quimera distante de um porvir deveras remoto e inatingível, mas que hoje mostra-me de maneira muito eloquente o poder da palavra.

Tudo ficou imortalizado em duas pequenas folhas de papel onde o carinho de uma amizade fez florir palavras gentis impregnadas de fé. Adiante narro alguns trechos dessa missiva que para mim é relíquia de amizade.

04 de setembro de 2008
Prezado Mauricio.
Fiquei surpresa e feliz com a sua cartinha. Saiba que sou conhecida por Cici. Só em documento que me assino por Aurelina Catarina Amorim. Não tenha, portanto, acanhamento em me tratar por Cici. Não reprovo, pelo contrário, gosto.
(...) Quanto à APLAC (Academia Pinheirense de Letras Ciências e Artes) em novembro irá completar dois anos de fundação. A propósito, no dia 27 p.p. ingressou na APLAC como membro efetivo o Dr. Ribamar Castro, juiz de Direito da Magistratura maranhense, pinheirense e ex-aluno do C.P. A sua vez, chegará.
(...) Obrigada pelas palavras amigas e um grande abraço com a minha oração.
Da amiga
   Cici Amorim.

A profecia se realizou. A minha vez chegou! Infelizmente a minha profetisa deixou-nos em 29 de maio de 2014, alguns dias após a escolha de Adão da Costa Amorim, seu pai, para patrono da cadeira que ocuparei. Portanto, inenarrável foi e é a emoção que experimentei naquela tarde de 27 de setembro de 2014 quando recebi a notícia de minha eleição.

No dia seguinte, sob a pujança daquela emoção de um misto de alegria e nostalgia, dirigi-me pela manhã até o Cemitério Santo Inácio e diante do túmulo da família Amorim, na prece de um silêncio tinha latente na mente a personalidade e as palavras de dona Cici: a sua vez chegará! E assim brotou uma profunda admiração à pessoa do patrono desta cátedra, afinal, “não se colhem figos dos espinheiros, nem se vindimam uvas dos abrolhos”, já ensina o Evangelho.

Ao som do silêncio

Naquele instante em que estava naquela cidade que é a última morada terena do homem, também floresceu uma enorme saudade, que dilacerava o peito, à medida que prossegui meu caminhar cemitério adentro fazendo pontuais paradas diante daqueles túmulos onde jazem meus antepassados, sobremaneira minha querida Judith, a maior patrocinadora dos louros que hoje colho e à minha mente veio a lembrança de que a Academia de Platão, modelo inspirador das modernas academias, surgiu dentro de um cemitério e cresceu a partir dos exemplos dos heróis cuja lembrança seus túmulos sugeriam, e então respirei fundo, outra vez, e prestei continência de saudade aos meus heróis familiares que hoje estão no plano do invisível, todavia presentes na corporeidade do pulsar de meu coração.

A minha vez chegou! E na solidão de mim mesmo sai para o peitoril de meu Eu e envolto naquele silêncio, que aos cemitérios convém, desfiz-me dos olhos corpóreos para enxergar com o coração na solidão de seu pulsar. Logo, vi ganhar vida as palavras de Konstantino Kaváfis[1] presente nesta beleza de ensinamento:

Os solitários contemplativos vêem coisas que nós não vemos: tem visões do mundo sobrenatural. Apuram a alma na solidão, na meditação e na continência, enquanto nós a embotamos no convívio mundano na ausência de meditações e nos prazeres. Por isso eles vêem o que não conseguimos ver. Quando se está em um aposento silencioso, ouve-se claramente o tique-taque do relógio. Mas quando outrem entra ali e começa a falar a mover-se, deixa-se de ouvi-lo. Mas o tique-taque continua acessível à audição.

Aqui deixo uma advertência: a ousadia dos maus cresce com o silêncio dos bons (Leão XIII). O silêncio é magnânimo e salutar e, portanto, deve ser cultivado e conservado qual oásis desde que não seja omisso e covarde, pois sua nobreza repousa no fato de mesmo sem palavras, por vezes, ressoar valentia e altivez que despreza o que não convém e isto dona Cici fazia muito bem.

No silêncio existencial de minhas contemplações ao menos três acadêmicos se fazem presente neste recinto, no plano da invisibilidade, através da lembrança e significância daquilo que foram e que, através da saudade, ainda o são, a saber: dona Cici, modelo de abnegação naquilo que fazia, meu saudoso amigo Napoleão Cardoso que muito me incentivou e dona Moema de Castro Alvim – com quem no Papiros do Egito as horas voavam em meio a colóquios de conterrâneos – que há trinta e três dias foi se juntar aqueles acadêmicos que lá do infinito estão a advogar junto de Deus para que a APLAC nunca falte aquela centelha divina do talento criativo e inspirador que da significância ao enigma de Ser que é a vida.

Adão da Costa Amorim, patrono da cadeira 35 da APLAC, como defini-lo? Com os olhos da emoção, o antevejo em suas virtudes e fixo na mente a figura inoxidável de dona Cici: o carisma e exemplo de vida dela são credenciais que desnudam o quilate da dignidade daquele. Afinal, a sabedoria popular de nossa pinheirensidade já diz “casa de pai escola de filho”.

Um poeta do cal e do plumo

A torre da Matriz, em nota vária
Dos céus azuis brilhando à clara luz
Relembra que és, Pinheiro centenária,
Esplêndido torrão de Santa Cruz
Vive Pinheiro, ainda,
Nos séculos, Rainha,
Rica, gloriosa e linda
Em teu verde esplendor
Triunfas sempre altiva,
No pelejar da vida
E na tua gente viva
Nobre e fecundo amor! 
(Estrofes do Hino de Pinheiro. Autoria Pe. Pedro Tidei. M.S.C)

Toda história de vida possui dois extremos: início e fim; entre os mesmos encontra-se a trajetória de alguém, a qual por vezes extrapola os limites da finitude corpórea, já que o homem é fruto dos ideiais vislumbrados, pois é aquilo crer, realiza e luta, haja vista que nisso imprime sua marca e se faz singular na pluralidade da humanidade.

“Aquilo que terás feito de tua vida, veremos no exato momento em que a perderás”. Assim dizia Sêneca, filósofo e também advogado da Roma Antiga, e sob os auspícios deste modo de pensar, justifica-se que uma abordagem sobre a personalidade de Adão Amorim evoque a estrofe do Hino de Pinheiro que enaltece a torre da Igreja Matriz, hoje Catedral, de Santo Inácio de Loyola. Nela (na torre da Matriz) está sintetizado, de modo todo belo e singular, a um só tempo, aquilo que creu e o que realizou. Explico.

Adão da Costa Amorim, nasceu em Cururupu-MA, aos 09 de junho de 1894 e, com 18 anos de idade, mudou-se para a Cidade Pinheiro-MA (na época ainda Vila) onde aprendeu o ofício de pedreiro com Mestre Antônio Belém. Na qualidade de auxiliar deste, aquele reformou a antiga Capela de Santo Inácio de Loyola, ampliando-a e acrescentando-lhe os arcos internos (extintos em 1989 para dar mais espaço para colocação de bancos aos fieis), bem como construiu as duas belíssimas e majestosas torres que serviram de inspiração ao Pe. Pedro Tidei quando compôs o Hino Municipal de Pinheiro-MA, na década de 1970, quando Adão Amorim já havia falecido.

De fato, era um verdadeiro artista e o legado de seu trabalho é a beleza arquitetônica de alguns prédios edificados sobre o solo pinheirense. Depois de aproximademente cinco anos de aprendizagem do Ofício de Pedreiro com Mestre Belém, reuniu vários aprendizes em torno de si e dedicou-se a profissão que abraçara com muita devoção, a qual responsável pelo excelente resultado que alcançava ao final de cada obra. Em razão disso, malgrado não fosse engenheiro, é fato que tinha noções de engenharia e, não por menos, recebeu do povo pinheirense a alcunha de Mestre do Oficio de pedreiro (mestre de obra), pelo que era por todos conhecido como “Mestre Adão”.

Portanto, na torre da Matriz está bem nítido não só a fé que em vida professou Adão Amorim, como também a profissão que abraçou e que desempenhou com grande esmero, maestria e talento, dando as edificações um acabamento todo especial que as transformava em verdadeiras obras de arte: pura poesia em cal e tijolos.

Prova do que ora se aduz são os mais belos prédios (exterior e interiormente) existentes na cidade de Pinheiro, remanescentes do século XX; todos construídos pelo Mestre Adão dos quais se menciona: a Cúria Diocesana (Antigo Patronato São Tarcisio); a residência episcopal; o prédio que hoje sedia o SEBRAE, a residência dos padres italianos Missionários do Sagrado Coração e o prédio em que hoje esta instalada a Vara Trabalhista de Pinheiro-MA.

Na cidade de Pinheiro o senhor Adão Amorim constituiu família. Casou-se com a senhorita Odete Durans e tornou-se pai de onze filhos, a saber: Euribícebes, Adalberto, João, Orzete, Cremilda, Carmerinda, Geny, Marta, Aurelina Catarina (Cici), Joana (joanita) e Raimunda (Neném).
 
Homem probo e honrado, sempre gozou de respeito por parte de seus contemporâneos. Pai abnegado e dedicado reverteu todo suor do labor de seu ofício em proveito da família, esforçando-se ao máximo, de maneira que ofereceu aos filhos o melhor possível, sobretudo no que se referia à educação, razão pela qual todos foram educados com os sólidos valores cristãos e com o curso primário (que era o que Pinheiro-MA possuía de melhor àquela época). Assim, os filhos, seguindo o exemplo paterno, cultivaram valores e virtudes que os tornaram, a semelhança do pai, pessoas de bem.

Destarte, não é difícil compreender por que Adão Amorim foi eleito vereador da Câmara Municipal de Pinheiro. Outrossim, a sua atividade legislativa foi assinalada pela responsabilidade e respeito, pela defesa dos interesses sociais, religiosos, educacionais e econômicos do povo pinheirense, do qual se tornou parte.

Com a criação da Prelazia de Pinheiro, em 1939; a chegada dos padres italianos Missionários do Sagrado Coração, em 1946; veio ao lume a Escola Paroquial Nossa Senhora do Sagrado Coração que desaguou, em 1953, na criação do Colégio (ginásio) Pinheirense e com ele a oportunidade dos pinheirenses se aperfeiçoarem. Mestre Adão Amorim, por sua vez, não mediu esforços para oferecer a sua família os benefícios advindos da criação do referido colégio e, assim, as suas filhas Cici e Neném, sentido inclinação ao magistério, tornaram-se professoras normalistas, respectivamente das disciplinas de português e matemática do aludido colégio.

Aos 18 dias do mês de junho do ano de 1966, na sua residência localizada à Rua Inácio Pinheiro, nº 21, Bairro da Matriz, debaixo do céu pinheirense, Mestre Adão deixou este plano da visibilidade corpórea rodeado pelos seus que tanto amou. Seu corpo foi sepultado no Cemitério Santo Inácio, em Pinheiro-MA, sob o respeito e profunda consternação dos pinheirenses.

Em razão do seu exemplo de vida pautado na mais austera e profunda dignidade, honradez e tendo em vista os relevantes serviços e a dedicação para com o progresso da cidade de Pinheiro, o legislativo municipal, fazendo justiça, imortalizou a memória de Adão Amorim apostando seu nome a rua que tangencia a casa em que este viveu, educou seus filhos e morreu. Outrossim, a Academia Pinheirense de Letras e Ciências – APLAC, convencida dos méritos e das virtudes deste o elegeu patrono da cadeira de número 35 do quadro de membros titulares, a qual tenho a honra de ser primeiro ocupante.

Brisas da visibilidade do invisível

Sob os auspícios do patrocínio de meu glorioso Santo Inácio de Loyola, a intercessão da Virgem Maria sob o título de Senhora do Sagrado Coração de Jesus e a bênção copiosa e pródiga do Deus de minha confiança... O ímpeto das alvíssaras que motivaram meus passos e o sortilégio dos dias que me foram concedidos e que eu vivi – entre elegias e lágrimas sentidas de tristezas profundas e odes de sorrisos silenciosos de alegrias imensas – fizeram-me vislumbrar nada além do previsível, tampouco abaixo do impossível.

Aqui não é o infinito, porém aqui, através das letras, artes e ciências, o mesmo se dilata em sua já incomensurável vastidão e se coloca de prontidão, qual anfitrião, a dar as boas vindas ao efêmero e ao eterno que, em colóquio sincero de elegância e gentileza, proferem solenemente as “sutilezas da leveza do suspenso” e projetam, entre o tudo e o nada, a delgada e tênue ponte que, ao tangenciar o intangível, entrelaça as duas extremidades do insondável milagre da vida com a pujança das potencialidades que a dimensão imaterial do Ser proporciona a materialidade, tudo sob o pálio da invisibilidade a orquestrar o silêncio que vigora.

Antoine de Saint-Exupéry, por sinal, na magistral obra “O Pequeno Príncipe”, num arroubo de sua sensibilidade – própria de quem concebeu a clara idade do discernimento que permite contemplar o invisível – legou-nos uma grande lição: “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”! De fato, com coração enxergamos o infinito e diante do esplêndido, já dizia o poeta, tudo se cala e emudece, pois o encantamento deslumbra. No secreto pulsar do coração, o encantamento se sublima em silêncio e ganha uma sonoridade de acordes vibrantes, cujas cifras só ao silêncio é dado conceber.

Tenho consciência de que compreender este mister não é algo que se possa dizer ou classificar como tarefa simples e, ainda hoje, para mim também não o é, muito embora comungue da ideia que determinadas coisas devem ser sentidas em virtude da sua compreensão tornar desnecessária qualquer tentativa de explicação, pois ainda que feita da forma mais esclarecedora possível não tem a eloquência, nem promove ao intelecto aquela satisfação que o simples sentir proporciona, o qual dispensa as palavras pronunciadas para falar através do murmúrio silencioso do indizível.

 As razões do secreto pulsar do coração

  Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento. (Clarice Lispector)

Talvez – e isto já espero – ao externar estes pontos de vista esteja sendo tido por louco, ou na melhor das hipóteses, um ébrio que tendo as faculdades mentais um tanto quanto conturbadas faz confusões entre o real e o imaginário. Antes, porém, peço licença para esclarecer que a loucura para mim não é algo de todo ruim e, neste particular, chamo a atenção para a necessidade de em tudo ver o lado positivo, até na maior das negatividades.

Jesus Cristo aconselhava seus discípulos: sede mansos como as pombas e prudentes como as serpentes. Ora, até nas serpentes Cristo viu qualidades, por que então não buscar positividades em meio aquilo que, a primeira vista, parece, de todo, negativo? Ninguém se olvide, é sempre bom ter em mente o valioso ensinamento de Santo Agostinho: a arte de viver bem consiste em retirar do maio mal o maior bem.

É preciso transcender a habitualidade hodierna da matéria para libertar a alma – imortal na essência – da debilidade própria do que é corpóreo e que pertencendo a materialidade deste mundo, finito em sua essência, sujeita-se tanto a morte, como causa uma visão embaçada que transmutada em miopia existencial, priva da vista de horizontes largos.
A racionalidade do coração, a mais nobre e salutar de todas, por vezes é entendida como paixão e a esta é reduzida e resumida, o que é lamentável. Não obstante, de Voltarie fica a lição: as paixões são com os ventos que inflam as velas do barco, pode até que o naufraguem, mas sem eles navegar é impossível.

O coração é órgão do sétimo sentido do gênero humano – sublimação – que congrega a intuição, a audição, o tato, o paladar, o olfato e a visão de maneira tal que os aprimora elevando-os ao cubo temporal da existência – presente, passado e futuro – cujo resultado implica o esforço necessário para transpor os abismos de incertezas, os oceanos revoltos de intempéries que em suas ondas não raro objetivam naufragar sonhos; tudo para, ao final, sublimar a existência pela significação que a ela atribuir-se-á.

Nunca é demais professar este dogma de fé e convicção: o coração é sacrário visível da centelha invisível da alma. Corolário deste credo é o ensinamento legado por Rui Barbosa[2] – patrono da Advocacia Brasileira – na sua Oração aos Moços:

(...) o coração não é tão frívolo, tão exterior, tão carnal quanto se cuida. Há, nele, mais que um assombro fisiológico: um prodígio moral. É o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d’alma, o que não vêem os do corpo. Vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível, e até no infinito vê. Onde pára o cérebro de ver, outorgou−lhe o Senhor que ainda veja; e não se sabe até onde. Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se perdem os surtos da poesia, até onde se somem os vôos da crença: até Deus mesmo, inviso como os panoramas íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a todos nós presente, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da vida e da nobreza e da bondade humana.
Quando ele já não estende o raio visual pelo horizonte do invisível, quando sua visão tem por limite a do nervo óptico, é que o coração, já esclerótico, ou degenerescente, e saturado nos resíduos de uma vida gasta no mal, apenas oscila mecanicamente no interior do arcaboiço, como pêndula de relógio abandonado, que agita, com as derradeiras pancadas, os vermes e a poeira da caixa. Dele se retirou a centelha divina.

Chego a está Academia trazido pelo meu coração e, com a “insana-lucidez” de meus tímidos anos de vida, cruzo os umbrais desta confraria sob a chancela da vontade soberana de seus membros, que me outorgam a credencial que emana do desejo de convivência, o qual no ato da minha escolha ganhou vida.

Certa feita, o célebre matemático Pascoal, no apogeu de sua erudição, afirmou: “o coração tem razões que a própria desconhece”. E é com o coração que agora sinto e vivo este instante-eterno e na sorrateira alegria que se me assalta pela distinção de cruzar a soleira deste sodalício… Fecho os olhos corpóreos na efusão desta emoção para abrir os olhos da alma... Enxergar com o coração! E com ele venho, à vossa presença senhora acadêmica presidente, pedir vênia para dedicar este momento, do âmago de minh’alma, a “JULIETA FERREIRA PEREIRA” (Judith), minha avó do coração! Sinônimo de saudade, melhor definição de bondade que já conheci; sempre esteve ao meu lado e hoje, da eternidade, continua a acompanhar-me de modo invisível, porém constante.

Quero dedicar também a singularidade da emoção deste momento, aos meus pais, Manoel e Maria e aos meus irmãos Maurílio e Mauriely, aqui presentes, e a minha esposa Adriana Lilia; as minhas duas Cecílias: a filha pequenina, que muito me enche de alegria, e a bisavó, na eternidade, que para mim é constante motivo de imensa saudade. Quero ainda dedicar as memórias de Pe. Pedro Paulo Sambalino, meu saudoso padrinho, e Júlio Theodorico Alves, meu avô paterno, que para mim sempre profetizou sucesso nas bênçãos que me dava, ambos lembranças risonhas que o tempo é incapaz de apagar.

Realmente, a escolha de um acadêmico é muito mais um desejo de convivência que propriamente um julgamento sobre a pessoa e o trabalho do candidato e prova disto sou eu. Não que minha pessoa não seja digna ou o trabalho que desenvolvo não seja consistente, porém a julgar pela minha idade, certamente que outros mais experientes que eu nas letras, nas artes e nas ciências teriam mais propriedade para desposar a cadeira até então nunca ocupada. Entretanto, a vossa benigna vontade escolheu a mim, num gesto de grande generosidade.

Em retribuição, para o engrandecimento desta Academia não trago livros – embora já tenha concebido alguns que ainda não publiquei – tampouco feitos grandiosos; trago apenas meu imperfeito coração, o qual não é o mais nobre do mundo, todavia aspira poesia e o propósito de se lapidar, pela poesia, através de conhecimento que engrandeça o gênero humano, um conhecimento que não se restrinja apenas ao cientificismo, mas que promova a sabedoria que, por sua vez, alberga desde a instrução sofisticada das universidades até o empirismo simplório do homem médio desprovido de qualquer comprovação metódica, mas que, não raro, intriga a ciência com seus bem-sucedidos resultados, os quais no mais das vezes sem qualquer explicação.

É inescusável, o senso empírico tem e deve ter reconhecido o crédito do conhecimento por ele formulado, o que não afasta a necessidade de crédito e validade ao conhecimento advindo do cientificismo experimental. É valido dizer que, nesta esteira de pensar, ao menos no meu sentir, ocorre uma simbiose em que ambos os conhecimentos se somam, se validam, interagem, se integram impulsionando um processo maior que deve ter por escopo o fomento e promoção do bem e do que é bom, prestando reverência ao bem e ao bom em todas as etapas de suas formulações.

Em igual compasso, não se pode perder de vista que a vastidão infinita das interrogações inerentes à própria natureza das coisas em si, e por si, é suficiente para não limitar a formulação do conhecimento somente através dos métodos empíricos e experimentais, muito embora sejam estes dotados de um grau de precisão elevado sob o prisma da aceitação, baseada nos parâmetros estabelecidos na contemporaneidade que, por sua vez, caminha de mãos dadas, ou melhor, prima por resultados, não raro, imediatos e acima de tudo visíveis, palpáveis.

Caríssimos confrades, com meu coração, relicário de minha identidade, trago minh’alma e alguns poucos talentos (indômitos e adormecidos) com os quais fui enviado a está dimensão transitória do Existir e de cujas potencialidades, espero, através do convívio convosco, desbravar cada vez mais e assim habilitar-me a convosco percorrer a tangente do infinito e quem sabe vislumbrar o horizonte da imortalidade.

No vôo das asas da jaçanã a realeza de uma princesa e a dignidade de seus súditos

A leveza própria das coisas suspensas – portanto voltadas as coisas do alto – a enamorar o fascínio que emudece, com a delicadeza extremada de um esmero singular que brota do equilíbrio que arquiteta uma simplicidade requintada… Eis o que me ocorre a visão do bater das asas da jaçanã (ave de nossos campos), abertas em colorido augusto, no rasante de vôos largos, entre o céu pinheirense e as águas do Pericumã, ao alvorecer de cada manhã. Nisto contemplo uma metáfora que proclama, em parte, a identidade do jeito de ser pinheirense.

Pinheiro, Princesa da Baixada, cidade de Verdes Campos! Lugar das águas, das chapadas, de babaçuais. Em Pinheiro meus pulmões se purificam com os ares da fraternidade que congrega cada pinheirense em uma só família e essa gente é a maior riqueza deste torrão. Esse povo que desbrava seus limites e na peleja diária não se verga ante as dificuldades; é valente, amansador de gado; povo aguerrido que do suor de seu trabalho faz a terra dar frutos em roças de arroz, de milho, de mandioca, macaxeira, etc.

Um povo que enfrenta as intempéries e madruga no Pericumã – esgrimas da paciência e temperança – pescando de malhadeira, ganzepe, peraqueira, caniço; povo que não enjeita um bagre, a piaba e a jabiraca com chibé de farinha – talvez por isso tenha tanta vitalidade; povo sábio que no equilibrismo existencial descobre as medidas com as quais sopesa alegrias e tristezas, venturas e desventuras, sucessos e infortúnios sem perder a picardia e alegria de viver e sem jamais esquecer de Deus, de ser solidário, sobretudo nas horas de amargor, com aquela consideração que estende a mão para ajudar e oferta o ombro amigo.

Nesta terra a raiz de minha ancestralidade esta fincada e é alicerce de mim mesmo. Todavia Pinheiro não é uma cidade dessas que se possa apontar no mapa, pois habita na topografia do coração de cada filho seu; pode-se sair de Pinheiro, mas Pinheiro não sai da gente.

Quando o mundo, perdido nas incertezas do niilismo e submergido nas trevas da discórdia, tingia o chão com o sangue de muitos, irrigando um ódio descomunal, principal força motriz que engendrava os horrores da Segunda Grande Guerra Mundial, nossos avós se neutralizavam desses ares malignos revertendo suas forças na construção da Matriz de Santo Inácio. Era o ano de 1939 e prova disto ainda hoje é testemunhado pelo frontispício da Matriz onde em um período em que a guerra imperava, foi apostado na fachada daquele templo (pelos operários – entre eles o patrono desta cadeira em que hoje me assento) um lema de vida e também uma exortação: AD MAIOREM DEI GLORIAM (tudo para maior glória de Deus).

De fato, a realeza de Pinheiro é sua gente simples, simplista, rica de folclore, de tradições, de religiosidade, dona de um enorme coração que pulsa de esperança e faz de cada manhã uma profissão de eternidade na efemeridade das horas, impregnando no ar essa atmosfera que dá aquela vivacidade que faz desta terra um lugar especial e inesquecível na poesia em versos do azul de seu céu, nas estrofes de seus encantos recitadas em seus ventos e nos poemas de crendices, mistérios declamadas no veio de suas águas com a pertinaz audácia de se lançar adiante com a sinfonia dos pardais, bem-te-vis, sabiás e pipiras... Enfim, qual a leveza do caminhar da jacanã sobre as águas, em passes de sublime bailado que, desafiando a gravidade, sobrepuja todo fascínio com cadenciado e sincronizado bater de asas, a sugerir nobreza na singeleza que descortina, do surreal, a maravilha de sonhar e realizar aquilo que a realidade talvez censure, muita das vezes por apenas crer não ser possível.

Nas asas das jaçanãs uma quimera, uma poesia de realismo surreal e uma metáfora de infinito que enamora as sutilezas e agoniza no suplício dos limites da finitude do Ser, com aquela fragilidade própria do soprar da brisa, mas que impele na alma aquele vendaval que vasculha o íntimo na incessante procura de um sentido que signifique as efemérides de existir. Pinheiro é assim. Um contínuo vôo de jaçanã que se projeta no tempo e no espaço até findar na imenso-restrito do crepúsculo de existir que serpeia o viver no lampejo que a serenidade traduz na candura de um suspiro de amor.

Filigrana de sonhos e do mister de iluminar

Aristóteles no tratado Órganon[3] disse que “conhecer a essência de algo é o mesmo que conhecer a sua causa”. Sendo assim, a APLAC é autêntico relicário da alma pinheirense que se transubstancia em singular identidade cultural que continuamente se agiganta e renasce no regaço de cada manhã, ao dobrar dos sinos da Matriz de Santo Inácio, irrigada com a sorrateira pujança das águas caudalosas do Pericumã: águas portentosas de poesia e mistérios que verdejam os campos de Pinheiro e imprimem na linha do horizonte a imponência da “cabeleira do babaçual” a valsarem com os “mansos ventos da chapada”; águas que transbordam o curso de seu leito para saciarem a sede física e, pela contemplação do reflexo do céu em se mesmas, submergirem a alma nas profundezas do insondável de Deus que, no relato do Gênesis, no princípio pairava sobre as águas!

A julgar pelo que professa, a APLAC permite-nos dizer, com solidez de certeza dogmática, que comunga do anseio da lapidação intelectual de seus membros para, com isto, trabalhar na matéria-prima que é o “tempo atual” em prol de uma evolução intelectual pautada no compromisso de acender e manter acessa a chama do conhecimento, da sabedoria e da instrução, como bem sugere o lema que tomou para si: accendere ut illuminet. (acender para iluminar).

Senhoras e senhores, penso que iluminar não implica necessariamente brilhar, pois o ato de iluminar e o de brilhar são coisas distintas; embora ambos caminhem juntos, não raro, o brilhar transmuta-se em uma exacerbação do ato de iluminar e, portanto, impõe cautela daquele que se dispõe a iluminar por duas razões: a primeira é a da responsabilidade de manter acessa sua luminosidade interior e esmerar-se em fazê-lo com brilhantismo a fim de que dissipe suas próprias trevas; a outra é a de iluminar e manter seu redor iluminado pelo clarão de uma instrução especial. Sobre esta instrução especial Arthur Schopenhauer preconizava que “a humildade e simplicidade são graus extremos de sabedoria”.

Entretanto se faz inócuo não proporcionar uma luminosidade magna pelo receio de ofuscar ou mesmo cegar a visão. Neste particular, Santo Agostinho certa feita confessou: “senti e experimentei não ser para admirar que o pão, tão saboroso ao paladar saudável, seja enjoativo ao enfermo, e que a luz, amável aos olhos límpidos, seja odiosa aos olhos doentes”.

Portanto, o ato de “acender para iluminar”, ao menos penso, deve ter no equilíbrio aquela sutileza entre iluminar e brilhar para que o brilho venha ao lume como natural consequência de uma iluminação que traga em seu âmago um fim em si mesma – qual imperativo categórico kantiano – e que este fim seja o de iluminar de modo acima de tudo respeitoso, no sentido de não menosprezar quem ainda não possa, por qualquer razão, vislumbrar o clarão de uma iluminação, já que todos são dotados de potencial.

Assim, o brilho, por ser um posterium, não poderá corromper aquele primus da luz e iluminar será um ato que terá sempre em si mesmo uma vontade boa e a sabedoria popular ensina: fazer o bem não cates a quem. Assim, não digo que farei um voto, porém comprometo-me com o propósito de tentar fazer a luz que irradia do seio desta confraria clarear cada vez mais e quiça extrapolar os limites de seus umbrais e se projetar nas galáxias do insondável: qual raio de luz que abri caminhos para serem trilhados pelo porvir.

Com o coração agradeço a Deus pela alegria deste momento, pela vida que pulsa em minhas veias e sem a qual nada disto seria possível; agradeço aos meus pais, aos meus irmãos, a minha esposa e filha por tudo que significam em minha vida; agradeço também aos confrades Nelson de Jesus Nogueira Nunes, Cesar Castro e dona Maria da Graça Moreira Leite que avalizaram meu ingresso nesta Academia, estejam certos que esforçar-me-ei para honrar tamanha confiança; agradeço também a todos que me elegeram para a cadeira 35.

Não poderia também encerrar este agradecimento sem antes fazer lembrança de meus professores que, desde o Jardim da Infância até a Faculdade, cada um a seu modo, contribuíram para minha lapidação intelectual e não posso também de maneira alguma deixar de fazer inferência aos meus amigos, a vós deixo… digo um ensinamento de Santo Agostinho: a metade de nossa alma é um bom amigo.

Às entrelaças do porvir

Senhoras e senhores, sob os auspícios de uma profecia atingi os píncaros deste sodalício e ante a incógnita que é o porvir – jazida em que a posteridade vai garimpar as gemas sem jaça que no mais das vezes, involuntariamente, são formadas a partir das pequenas atitudes que edificam o instante (menor particular da eternidade) que mal nasce morre, quase sempre sem nem ao menos a dimensão das referidas atitudes ser percebida por seus protagonistas – com outra profecia, nascida do coração, quero encerrar minha primeira fala com a qual também esta cátedra agora se inaugura.

Ave Academia, que tu sejas “eterna enquanto dure” eis a minha prece; “durarás para sempre” eis minha profecia, a qual proclamo com as insígnias da esperança transubstanciadas naquela confiança que, trespassando o âmago d’alma com fé imorredoura, despede nos lábios um impávido amém.

 In summa... Ad infinitum!
Accendere ut illuminet
Felicidades a todos!
  
Muito Obrigado,
   
Mauricio Gomes Alves
Senhor das Alusuras






[1] KAVÁFIS, Konstantinos. Reflexões sobre poesia e ética / Konstantinos Kaváfis - Tradução do grego por José Paulo Paes. São Paulo: Editora Ática, 1998, p.34. 

[2] Barbosa, Rui. Oração aos moços / Rui Barbosa; edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. – 5. ed. – Rio de Janeiro : Fundação Casa de Rui Barbosa, 1997, p. 13.

[3] ARISTÓTELES. Órganon. Categorias, Da interpetração. Analíticos anteriores, Analíticos posteriores, Tópicos, Refutações sofistas / Aristóteles; tradução, textos adicionais e notas Edison Boni / Bauru, SP: EDI-PRO, 2005. (Série Clássicos Edipro), p. 314.

domingo, 21 de setembro de 2014

A BEIRA-MAR DO INFINITO

Algumas obras são magnas porque antes de tudo são profundas naquilo que se propõe: a reflexão.

Somos o que queremos e o que decidimos ser, pois tudo está dentro de nós. Somos, propriamente, infinitos em nossa finitude. Cada um a seu modo encontre sua França e eleja a Alsácia que amará.

Enfim! A leitura do poema que segue, salutar e edificante, dispensa qualquer comentário. Apenas uma ponderação que faço parafraseando o Pequeno Príncipe: "o essencial é invisível aos olhos, só se vê bem como o coração". Vivas aos Alsacianos de nossos tempos.


ESTUDANTE ALSACIANO

 “Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cãs, a barba branca,
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente — uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando àquele,
De manso, com carinho e paternal amor.

Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra d’um sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Freqüentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
— Mas de intima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
— Pela pátria talvez! — Doze anos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o à geografia:

— "Dize-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
— "Meu pai, no último reduto,
Em defesa da pátria!"
— "Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quais são as principais nações da Europa? Vá!"
— "As principais nações são... a França..."

— "Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França! Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
D’onde irradia a ciência a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"

Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou n’um gesto negativo,
E tornou com voz firme:
— "A França é a primeira!"
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.

— "Sabes onde está a França? Aponta-m’a no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:
— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"
(Poema de Acácio Antunes)